Qual a Distância até aquela Estrela?

Você certamente conhece a constelação do Cruzeiro do Sul e possivelmente consegue reconhecê-la com facilidade no céu noturno, não?
Bem, talvez em um céu realmente escuro, longe da poluição luminosa das áreas urbanas, como na imagem abaixo, haja tantas estrelas visíveis que a tarefa de identificar o Cruzeiro do Sul seja um pouco mais desafiadora. Mas vamos dar uma ajudinha. Marcamos aí as 5 estrelas mais brilhantes que formam o asterismo do Cruzeiro!

E usamos a palavra “asterismo” porque a constelação do Cruzeiro do Sul, ou Crux, não se resume a essas 5 estrelas. O conceito moderno de constelação, adotado pela União Astronômica Internacional (IAU), orgão responsável pela nomenclatura oficial usada pela astronomia profissional, não é a de um “grupo de estrelas”.

A constelação na verdade é uma área do céu, com bordas bem definidas de acordo com suas coordenadas celestes. E o que a IAU define como a constelação do Cruzeiro é toda a região em verde na imagem abaixo.

Carta Celeste da Região do Cruzeiro do Sul e adjacências, criada no software Sky Charts [créditos: Wandeclayt M./@ceuprofundo]

Assim, todas as estrelas, nebulosas, aglomerados estelares ou outros objetos astronômicos vistos na região demarcada, estão na constelação do Cruzeiro.

E essas estrelas estão próximas umas das outras?

Esse é outro aspecto que precisamos discutir! As estrelas de uma constelação, não estão necessariamente próximas umas das outras. Estão apenas na mesma direção aproximada no céu, mas podem apresentar distâncias variadas entre elas.

Mas para criar um mapa tridimensional do céu, conhecendo não apenas a direção das estrelas na esfera celeste mas também suas distâncias, foi preciso esperar dois milênios.

Medindo distâncias.

A área da Astronomia que se ocupa de medir as posições dos objetos celestes se chama Astrometria e surgiu muito antes dos telescópios passarem a ser empregados para a observação do céu no século 17.

Hiparco, na Grécia do século 2 a.C, já mapeava as estrelas e o Almagesto, a grande compilação astronômica de Claudio Ptolomeu no Egito do século 2 d.C, trazia os mapas das constelações catalogadas por Hiparco e a classificação das estrelas por seu brilho (as medidas de brilho são outra atividade observacional importante: a Fotometria).

No século 16, Tycho Brahe foi um criterioso observador da era pré telescópica e suas precisas observações astrométricas do planeta Marte foram a base para que seu discípulo Johannes Kepler enunciasse as leis empíricas do movimento planetário. Empíricas porque ainda não havia uma teoria gravitacional que explicasse a natureza do movimento orbital e a geometria das órbitas descrita por Kepler era totalmente baseada nos dados observacionais.

Mas medir distâncias estava longe do que Tycho conseguiria fazer no século 16 e completamente fora do alcance do que Hiparco poderia sonhar em fazer no século 2 a.C.

O método geométrico usado hoje para medir indiretamente as distâncias estelares é conceitualmente simples e está representado no diagrama da figura abaixo. Observamos uma estrela a partir de uma posição da órbita terrestre e registramos sua posição. Seis meses depois, a Terra estará numa posição diametralmente oposta em sua órbita e, portanto, a aproximadamente 300 milhões de quilômetros distante da posição anterior. Fazemos uma nova observação e registramos o deslocamento aparente sofrido pela estrela, devido à mudança do ponto de vista de nossa observação. Chamamos esse deslocamento aparente de “paralaxe” e ele vai variar com a distância da estrela. Estrelas mais próximas apresentarão uma paralaxe maior. Estrelas mais distantes, uma paralaxe menor.

Você pode testar esse método olhando para seu dedo indicador com o braço esticado alternadamente com cada um dos olhos. Você vai perceber que o dedo vai parecer se deslocar a medida que você troca de olho ao observá-lo. Aproxime o dedo um pouco mais do rosto. O deslocamento vai parecer maior.

Mas se o método é assim tão simples, por que Hiparco e Tycho não poderiam medir a distância até as estrelas mais próximas? Aí aparecem dois problemas! O primeiro deles é que a distância até as estrelas é muito maior do que qualquer pensador da antiguidade, ou mesmo do Renascimento, se arriscou a estimar e a paralaxe estelar é muito pequena. E o segundo é que imperava o modelo geocêntrico do Universo, que acabava sendo reforçado pela falha na detecção da paralaxe estelar, afinal, se não há paralaxe, a Terra deveria ser imóvel!

A largada da corrida para medir a paralaxe estelar só é dada com o triunfo do heliocentrismo e com a compreensão do movimento orbital da Terra, graças inicialmente a Kepler e Newton. A partir do momento que tínhamos certeza que a Terra orbitava o Sol, necessariamente deveria haver alguma paralaxe a ser medida, ainda que muito pequena.

Mas quanto é uma paralaxe “muito pequena“?

Vamos introduzir mais alguns conceitos para deixar isso mais claro.
Na Astrometria usamos medidas angulares para falar da posição ou da separação entre objetos na esfera celeste ou do diâmetro aparente de alguns corpos.

Um círculo é tradicionalmente dividido em 360 partes iguais chamadas de graus (°). A separação entre o horizonte e o zênite (o ponto no céu que fica acima da sua cabeça) é de 1/4 de círculo ou de 90º. O Sol e a Lua representam no céu um diâmetro de 0,5°.

Essa divisão do círculo em 360 graus é uma herança da Babilônia e remonta a mais de 2000 anos antes de Cristo. Nesse sistema, cada grau é dividido em 60 partes chamadas “minutos de arco” (ou 60′) e cada minuto de arco é dividido em 60 segundos de arco (ou 60″). Ou seja, 1º equivale a 3600″.

Há inclusive uma unidade de distância definida a partir da paralaxe, o parsec.
Um parsec é a distância na qual um objeto exibe uma paralaxe de 1 segundo de arco, e equivale a 3,26 anos luz.

E aí está o grande desafio! Como nenhuma estrela, além do Sol, está localizada a menos de um parsec, a paralaxe a ser medida é menor que 1 segundo de arco, ou mais que 3600 vezes menor do que 1°.

Michael Perryman em the History of Astrometry aponta que as melhores observações de Tycho alcançaram uma resolução de 20 segundos de arco, bem longe da resolução necessária para medir a paralaxe estelar.

No século 18, William Herschel e sua irmã Caroline realizaram grandes descobertas com telescópios de dimensões nada modestas (mais de 1 m de diâmetro e 12 metros de distância focal). Entre as contribuições dos irmãos Herschel para a Astronomia estão a descoberta de Urano e duas de suas luas, de duas luas de Saturno e a detecção do movimento orbital em estrelas binárias. Mas eles falharam na detecção da paralaxe estelar. Não por limitações instrumentais, mas por não terem selecionado estrelas próximas o suficiente para exibir uma paralaxe mensurável.

Uma melhor seleção de estrelas candidatas a exibir uma maior paralaxe (e portanto estarem mais próximas) surge a partir de critérios sugeridos pelo astrônomo Wilhelm Struve na primeira metade do século 19: estrelas brilhantes, com grande movimento próprio (além do efeito da paralaxe, as estrelas estão realmente se movendo no céu e um movimento próprio mais rápido pode significar que a estrela está mais próxima de nós) e, no caso de estrelas binárias, estrelas que estejam bem separadas, a julgar por seu movimento orbital.[1]

Foi na década de 1830 que as primeiras medidas confiáveis de paralaxe foram finalmente publicadas. Struve anunciou uma paralaxe de 1/8 de segundo de arco para Vega (a alfa de Lira) e Friedrich Bessel encontrou uma paralaxe de 0,314 segundos de arco para a estrela 61 Cygni. Trabalhos seguidos pela determinação da paralaxe de Alfa Centauri, por Thomas Henderson em 1839.

Embora Alfa Centauri faça parte do sistema estelar mais próximo do Sistema Solar, ela está fora do alcance de observadores nas latitudes da Europa (consequências de uma Terra esférica) e foi observada por Henderson em uma campanha no Cabo da Boa Esperança.

E parou por aí?

A Astrometria seguiu muito bem, obrigado, e mapas cobrindo ambos os hemisférios celestes foram produzidos incorporando dados cada vez mais precisos de coordenadas celestes, movimento próprio e distância, até que a própria atmosfera terrestre tornou-se o principal limitante para o que poderia ser medido com telescópios instalados na superfície.

O novo salto de qualidade vem com a proposta apresentada em 1967 pelo francês Pierre Lacroute[2]: um telescópio dedicado a astrometria e fotometria em órbita da Terra, acima da atmosfera, onde poderia catalogar estrelas muito menos brilhantes e atingir precisão sem precedentes nas medidas astrométricas e cobrindo inteiramente ambos os hemisférios celestes (outra restrição encontrada pelos telescópios na superfície é a impossibilidade de observar todo o céu).

HIPPARCOS foi o primeiro satélite dedicado a astrometria. Lançado pela ESA em 1989, inaugurou uma era de alta precisão nos catálogos estelares [imagem: Agência Espacial Europeia].

A ideia culminou no lançamento do satélite Hipparcos (HIgh Precision PARallax COllecting Satellite), pela Agência Espacial Europeia (ESA) em 1989. O satélite coletou dados até 1993, dando origem ao catálogo Hipparcos, com quase 120 mil estrelas. Seus dados geraram ainda os catálogos Tycho e Tycho 2, extrapolando a marca de 2,5 milhões de estrelas catalogadas.

2,5 milhões de estrelas parece muito? E é! Mas o lançamentoo em 2013, também pela ESA, de um novo satélite astrométrico, o Gaia, multiplicou por 1000 esse número, ultrapassando 1,8 bilhão de fontes catalogadas na terceira liberação de dados da missão (Gaia data Release 3).

E como eu posso saber a distância até as estrelas do Cruzeiro?

[Vamos fazer umas continhas aqui e está tudo bem se você pular essa seção, mas garantimos que o resultado é divertido e vai valer a pena se você tentar nos acompanhar aqui.]

Os catálogos Hipparcos, Tycho, Tycho 2 e Gaia são públicos. Isso significa que qualquer pessoa pode ter acesso a todos os parâmetros de astrometria e fotometria medidos pelos satélites. É possível acessá-los usando ferramentas especializadas em operações com dados astronômicos como o TOPCAT ou através de recursos disponíveis em ferramentas de visualização de imagens e dados como o SAO Image DS9. O acesso também pode ser feito através de bibliotecas em Python ou diretamente em bases de dados como o SIMBAD.

E se você quer descobrir as distâncias até as 5 estrelas mais brilhantes do Cruzeiro (ou a qualquer estrela catalogada) é só consultar a paralaxe dessas estrelas na pesquisa básica do SIMBAD. Conhecendo a paralaxe a relação é direta:

distância (em parsecs) = 1000 * (1 / paralaxe (em milissegundos de arco)).

A multiplicação por 1000 é necessária por que a paralaxe é dada nos catálogos em “milissegundo de arco”. Se você quiser a distância em anos luz, a conversão também é imediata:

distância (em anos-luz) = 3,26 * distância (em parsecs).

Agora que você já sabe o que fazer com os dados, pode colocar a mão na massa.

Acesse a busca básica do SIMBAD (figura abaixo) e pesquise as cinco estrelas mais brilhantes da constelação do Cruzeiro do Sul: “alf cru”, “bet cru”, “gam cru”, “del cru” e “eps cru”.

Tela de pesquisa básica do SIMBAD: http://simbad.cds.unistra.fr/simbad/sim-fbasic. Insira o nome do objeto a ser pesquisado (no caso, “alfa crux”, “alf cru” ou “alp cru” correspondem a mesma estrela, a alfa do Cruzeiro do Sul).

Na janela de resultados, use o valor no campo “Parallaxes (mas)” para calcular as distâncias pelas relações que apresentamos acima. Se tudo der certo, você vai encontrar os mesmos valores apresentados na próxima seção.

Tela de resultados da busca básica do SIMBAD. Use o valor da paralaxe no campo indicado pela seta para computar a distância até a estrela consultada.

O Cruzeiro do Sul em três dimensões.

Consultando bases públicas de dados astronômicos como o SIMBAD, podemos encontrar as distâncias para qualquer estrela catalogada. E para alguns grupos de estrelas os resultados podem ser surpreendentes. Por exemplo, você imaginava que Rubídea (gama Crux) apesar de ser apenas a terceira estrela mais brilhante na constelação do cruzeiro é a que está mais próxima de nós, a apenas 88 anos-luz? Na verdade ela está mais próxima do Sol do que de qualquer uma das outras estrelas que formam a Cruz, já que a estrela seguinte, epsilon Crux, a Intrometida, está a quase 230 anos-luz de nós.

EstrelaParalaxe
(milissegundos de arco)
Distância
(anos-luz)
alp Crux (Acrux)10.13322.01
beta Crux (Mimosa)11.71278.57
gama Crux (Rubídea)36.8388.57
delta Crux (Pálida)7.1681455.07
epsilon Crux (Intrometida)14.1999229.72
Dados de paralaxe e distância das estrelas mais brilhantes do Cruzeiro do Sul. Distâncias calculadas a partir dos
dados de paralaxe acessados via SIMBAD.

Combinando os dados astrométricos do catálogo em uma visualização tridimensional, podemos evidenciar as diferenças de distância entre as estrelas que formam o asterismo da cruz na constelação.

Precisamos concordar que foi uma jornada e tanto! Há 200 anos era instrumentalmente impossível determinar a distância até as estrelas. Hoje, temos telescópios espaciais com capacidade de mapear bilhões de fontes em nossa galáxia ou até em galáxias vizinhas. E o melhor de tudo isso: todos esses dados estão a um clique de distância de você.


Para Pensar um Pouco.

  • Usando o método que apresentamos no texto, determine a distância até alfa Centauri.
  • Alfa Centauri é na verdade um sistema triplo e você pode pesquisar cada uma de suas componentes individualmente: “alf Cen A”, “alf Cen B” e “alf Cen C”. Pesquise no SIMBAD e identifique qual das componentes está mais próxima de nós.
  • O SIMBAD informa também o brilho das estrelas. Observa no campo “Fluxes” a linha iniciada por “V”. Essa é a magnitude visual do objeto. Quanto maior a magnitude, menor o brilho. Essa escala é também uma herança de Hiparco e Ptolomeu, que apresentaram as estrelas divididas em seis grandezas, ou magnitudes. As estrelas de primeira grandeza eram as mais brilhantes e as de sexta grandeza as menos brilhantes visíveis a olho nu. O sistema moderno de magnitudes é uma adaptação dessa escala. A diferença de 1 magnitude significa uma diferença de fluxo (brilho) de 2,5 vezes. Assim, uma estrela de magnitude 0 é 2,5 vezes mais brilhante que uma estrela com magnitude 1. Uma diferença de 5 magnitudes significa uma diferença de 100 vezes no fluxo (brilho). O limite de magnitude para a observação a olho nu é 6. Consulte a magnitude da estrela mais próxima do sistema alfa Cen no SIMBAD. Ela é visível a olho nu?

Código Fonte

Para reproduzir o gráfico tridimensional ou acessa o SIMBAD atráves de um script em linguagem Python, use nosso notebook disponibilizado na plataforma Google Colab:
https://colab.research.google.com/drive/1R0nHygvdFoBeDj34h-4O-JotWue_Bz0i?usp=sharing

Ao abrir o notebook, crie uma nova cópia do arquivo para que seja possível editá-la (figura abaixo). Não é necessário instalar nenhum componente localmente e toda a execução ocorre nos servidores da plataforma Google Colab. O código é bem comentado e você não precisa entender de programação para usar o script. Não requer prática nem tampouco habilidade. Qualquer criança brinca e se diverte.

Após criar uma cópia, o código será inteiramente editável e você poderá experimentar utilizar outras estrelas para consulta ou mudar os parâmetros usados na construção da animação.
Para executar o script, clique no ícone indicado pela seta (imagem abaixo) em cada bloco de código.

Os resultados são exibidos na mesma janela do código e cada bloco e executado em segundos.

Referências

Câmera mais moderna do Telescópio Espacial Hubble volta a operar.

Telescópio Espacial Hubble após a missão de serviço SM-4 em 2009.

Notícia ansiosamente esperada pela comunidade astronômica: o Space Telescope Science Institute (STScI) informou em nota nesta segunda (15/03) que o instrumento Wide Field Camera 3 (WFC3) no Telescópio Espacial Hubble foi religada na noite do sábado 13/03 .

A WFC3 é o instrumento de imagem mais moderno em operação no Telescópio Hubble, instalado em sua última missão de manutenção e modernização no ano de 2009. A WFC3 combina dois detectores independentes, o UVIS, com sensibilidade do ultravioleta ao infravermelho próximo na faixa entre 200 e 1000nm, e o IR, sensível ao infravermelho na faixa entre 800 e 1700nm. Gerando imagens de até 4k x 4k pixels com o detector UVIS e de até 1k x 1k pixels no IR.

Estrutura interna da câmera WFC3 com com o caminho óptico até seus dois detectores: UVIS (caminho em azul) e IR (caminho em vermelho). [Crédito: Dressel, L., 2021. “Wide Field Camera 3 Instrument Handbook, Version 13.0” (Baltimore: STScI)]

O desligamento do instrumento ocorreu como parte dos procedimentos para entrada do observatório no modo de segurança após a detecção de uma falha de software no computador de voo principal do Hubble.

Durante a volta às operações na quinta 11/03, uma voltagem abaixo do nominal detectada no monitoramento de uma fonte de tensão da WFC3 disparou um alarme interno que impediu o religamento do instrumento.

Análises mostraram que os níveis de tensão das fontes da WFC3 caíram em função da degradação esperada em seus circuitos eletrônicos (a WFC3 foi instalada no Hubble em 2009) . O desligamento dos circuitos para a entrada no modo de segurança causou o resfriamento dos componentes. Este fator, unido à potência mais alta requerida para reiniciar o instrumento contribuíram para a flutuação de tensão que impediu o religamento do equipamento. A engenharia do Hubble concluiu que era seguro reduzir os limites para o desligamento automático do instrumento e religar a WFC3 no modo científico.

Antes de voltar a coletar dados científicos, a WFC3 passará por procedimentos de calibração e rotinas pré observacionais. Em seguida, a poderosa câmera retornará à sua agenda científica, coletando dados e ajudando a expandir nossa compreensão do universo.

Hubble volta a operar, mas com restrições.

Uma falha numa atualização de software, implementada para compensar flutuações no desempenho dos giroscópios e garantir maior estabilidade ao telescópio espacial, colocou o Hubble em modo de segurança no domingo (07/03). As operações foram retomadas na quinta (11/03), mas um de seus principais instrumentos, a WFC3 (Wide Field Camera 3), segue fora de serviço devido a um nível de tensão abaixo do nominal em seus circuitos.

Telescópio espacial Hubble e seus componentes [NASA/STScI]


Outra falha oportunamente descoberta foi um travamento do motor de acionamento da tampa de proteção frontal do telescópio, que deve se fechar caso o telescópio seja apontado na direção do Sol, evitando danos aos componentes ópticos e circuitos eletrônicos. Testes conduzidos pela equipe de solo mostraram que o motor reserva funciona normalmente e este assume agora a função de atuador primário da tampa.

Aguardamos ansiosos pela solução da pane na WFC3. E enquanto isso seguimos utilizando imagens de arquivo do Hubble em nossas oficinas de imagens astronômicas todas as quintas feiras na www.twitch.tv/ceuprofundo sempre a partir das 20h.

Nebulosa M57 – A Nebulosa do Anel. Imagem composta com dados do telescópio espacial Hubble [NASA/STScI – Wandeclayt Melo/Ceu Profundo]

Surpreenda-se com essas 5 Mensagens Ocultas na Perseverance

Além de seu avançado arsenal científico e das mais poderosas câmeras já embarcadas numa missão espacial, o jipe robô Perseverance chegou no dia 18/02 à superfície marciana levando também uma série de detalhes curiosos e bem humorados incorporados à nave pelos projetistas da missão. Acompanhe conosco alguns desses intrigantes detalhes!

1. Ousadia e alegria!

Ousadia e alegria não é exatamente a mensagem cifrada em código binário no paraquedas usado na entrada da Perseverance na atmosfera marciana, mas a ideia é a mais ou menos a mesma.
Na verdade aos gomos claros e escuros no paraquedas podem ser interpretados como zeros e uns, formando um código binário que pode ser transcrito (convertendo números em posições do alfabeto) como “DARE MIGHTY THINGS” (Ouse coisas grandiosas). Esse é o lema do Jet Propulsion Laboratory (JPL) que fabricou e o opera a sonda robô. A expressão é trecho de um discurso de Theodore Roosevelt:

“Far better is it to dare mighty things, to win glorious triumphs, even though checkered by failure … than to rank with those poor spirits who neither enjoy nor suffer much, because they live in a gray twilight that knows not victory nor defeat.”

(É muito melhor ousar coisas grandiosas, para atingir gloriosos triunfos, mesmo que ameaçados pelo fracasso… que se unir às pobres almas que nem se alegram nem sofrem demais, porque vivem num crepúsculo cinzento que não conhece nem a vitória nem a derrota.)

Além do slogan, o anel externo traz as coordenadas do próprio JPL, em Pasadena, na California (EUA): N 24 11 58, W 118 10 31.

2. Retrato de família

[NASA/JPL-Caltech]
Placa estampada com toda a família de jipes robôs na superfície de Marte [NASA/JPL-Caltech]

No deck superior da Perseverance, uma placa metálica traz estampada toda a família de jipes robôs enviada a Marte desde a pequena pioneira Sojourner, que iniciou a era da exploração sobre rodas em Marte em 1997, passando pelas gêmeas Spirit e Opportunity (2004), pela Curiosity (2012) e chegando à Perseverance e ao drone Ingenuity que acabam de desembarcar em Marte.

3. Onze milhões de nomes, “explorando como um”.

Chips com a gravação de 10 932 295 nomes estão incluídos nesta placa, fixada na parte traseira da Perseverance. Além disso, uma ilustração mostra uma comparação entre os diâmetros daa Terra e de Marte, enquanto no centro o Sol exibe raios que formam uma mensagem em código morse”. _.._ .__. ._.. ___ ._. . ._ … ___ _. .” (“Explore as One). [Nasa/JPL-Caltech]
Imagem da NAVCAM mostrando a placa instalada na barra traseira da Perseverance. [NAVCAM – NASA/JPL-Caltech]

Numa barra instalada na estrutura traseira do robô, uma placa carrega três chips com os quase 11 milhões de nomes enviados por internautas através do site da missão Mars 2020. Cada inscrito recebe um “Cartão de Embarque” e tem seu nome eternizado na estrutura do quinto e mais avançado veículo de exploração superficial já enviado à Marte.

A placa traz ainda a uma mensagem em código morse, formada pelos raios do Sol que ilustra a figura central da placa: “. _.._ .__. ._.. ___ ._. . ._ .. ___ _. . ” (“Explore as One”).

“Cartão de Embarque” para a missão Mars 2020 [Nasa/JPL-Caltech]

4. Dois mundos, um começo.

Alvo de calibração da MASTCAM-Z, uma poderosa câmera com zoom e alta resolução instalada no mastro da Perseverance junto com as câmeras de navegação NAVCAM e a SUPERCAM. [NASA/JPL-Caltech]

O alvo de calibração da das câmeras MASTCAM-Z traz pictogramas que ilustram a trajetória evolutiva da vida no planeta Terra e junto com eles a mensagem “TWO WORLDS, ONE BEGINNING” (Dois mundos, um começo). Este alvo é uma evolução do instalado no robô Curiosity que chegou em Marte em 2012.

Alvo de calibração instalado no jipe robô Curiosity. Ao longo dos anos de operação a poeira vem se depositando sobre sua superfície, mas é possível ler a mensagem “TO MARS TO EXPLORE”.

5. Elementar, meu caro Watson…

E para encerrar, um mistério digno de Sherlock Holmes…

O braço robótico da Perseverance carrega o espectrômetro SHERLOC (Scanning Habitable Environments with Raman & Luminescence for Organics & Chemicals), que ajudará na busca por vida microbial primitiva em material coletado da superfície. Amostras da superfície também serão coletadas e armazenadas para posterior envio à Terra por uma futura missão também robótica. Para calibrar o espectrômetro e a câmera instalados no braço da Perseverance, alvos de referência estão instalados em uma placa. E num desses alvos as referências ao famoso detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle continuam!

Os alvos incluem amostras de materiais utilizados em trajes espaciais, como teflon, vectran e policarbonato e o efeito da exposição destes materiais ao ambiente marciano também será estudado.

Mas talvez o mais curioso dos alvos seja esta moeda que traz não apenas a figura de Sherlock Holmes e de seu famoso endereço (221B, Baker Street) mas também uma mensagem escrita no código encontrado no conto “A aventura dos homenzinhos dançantes”. Você pode tentar decifrá-lo, ou ler nossa transcrição ao final do texto.

Esperamos que tenham se divertido com estes mistérios marcianos tanto quanto nós!
E aqui seguiremos acompanhando as aventuras do robô Perseverance no solo de Marte, prontos pra trazer até vocês a solução para mistérios científicos que ela busca desvendar! Quem sabe logo não teremos que escrever um post sobre a descoberta de vestígios de vida primitiva na cratera Jezero? Isso certamente não seria elementar, meu caro Watson.















<INÍCIO DE SPOILER>
a mensagem cifrada é “CACHE ME IF YOU CAN” (ARMAZENE-ME SE FOR CAPAZ) num trocadilho com “Catch me if you can” (Pegue-me se for capaz).
<FIM DE SPOILER>

Gaia – O mapeador dos céus.

Diagrama Hertzprung-Russel de 1 milhão de estrelas do catálogo Gaia EDR3 a menos de 200 parsecs.
Composição artística do satélite Gaia com a Via Láctea ao fundo. [créditos: ESA/ATG Medialab e ESO/S. Brunier]

O satélite Gaia não nos envia imagens exuberantes como o Telescópio Espacial Hubble, mas também se consagrou como um marco na história da astronomia, medindo com precisão sem precedentes o brilho, a posição, a distância e a velocidade de quase dois bilhões de estrelas.

Determinar a distância de objetos astronômicos é essencial para compreender as propriedades físicas desses objetos. Uma estrela que nos parece muito brilhante, pode na verdade ser um objeto modesto mas muito próximo de nós. Por outro lado, fontes que parecem apenas uma pequena estrela podem na verdade corresponder a uma galáxia inteira nos confins do universo observável. E o Gaia é o campeão na determinação destes dados que nos permitem calibrar nossas escalas astronômicas de distância, entender melhor a evolução estelar e estimar com mais precisão a própria idade do universo superando inclusive o já impressionante desempenho de seu antecessor, o satélite Hipparcos (1989-1993).

O catálogo final do Gaia estará disponível em 2022, mas três liberações públicas de dados parciais já foram realizadas – a última delas (Early Data Release 3 – EDR3) em dezembro de 2020. Os dados são públicos e os acessamos para criar o gráfico abaixo, conhecido como diagrama HR e fundamental para o entendimento da evolução das estrelas, utilizando dados de 1 milhão de estrelas do catálogo do Gaia, localizadas a menos de 200 parsecs.

O astrofísico Alexandre Oliveira, professor e pesquisador da Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP), nos conta que “A excelente qualidade destes dados permite enxergar detalhes nunca antes percebidos, como a assinatura de tipos diferentes de Anãs Brancas, com núcleos ricos em Hidrogênio, Hélio ou Carbono, representados pelas três faixas estreitas no canto inferior esquerdo. Também é visível, na região das Gigantes Vermelhas, um adensamento de forma longa e diagonal conhecido como Red Clump, associado a estrelas de baixa massa que queimam Hélio em seus núcleos.

Diagrama HR de uma amostra de 1 milhão de estrelas localizadas a menos de 200 parsecs (652 anos luz) [créditos: Gaia/ESA/DPAC, Wandeclayt M./Céu Profundo]

Faça você mesmo: NGC 6302 – A Nebulosa da Borboleta.

NGC 6302 – A Nebulosa da Borboleta a partir de dados do Telescópio Espacial Hubble. [Dados de imagem: NASA/ESA/STScI, Processamento: Wandeclayt M./Ceu Profundo]

As imagens de objetos de céu profundo – galáxias, nebulosas e aglomerados estelares – produzidas com dados do telescópio espacial Hubble (HST) são tão fabulosas que acabam inspirando a pergunta: “Nossa, mas é uma foto mesmo? Dá pra observar ela assim?”

A dúvida é legítima e para ajudar a entender como nascem estas impressionantes visões astronômicas vamos compor juntos uma imagem da nebulosa planetária bipolar NGC 6302 – A Nebulosa da Borboleta – utilizando dados de arquivo do Hubble.

Primeiro ponto importante: as câmeras do Hubble não são coloridas. São sensores monocromáticos de alto desempenho, sensíveis a toda a faixa visível do espectro eletromagnético e a porções do infravermelho e do ultravioleta próximos.

Para compor imagens coloridas com os imageadores atualmente em operação no telescópio espacial – a WFC3 (Wide Field Camera 3) e a ACS (Advanced Camera for Surveys) – precisaremos combinar dados obtidos em observações separadas, cada uma delas utilizando um filtro diferente, que deixa passar apenas uma faixa (cor) da luz incidente.

Como o objeto a ser imageado é uma nebulosa, uma escolha comum de filtros é a que seleciona a luz emitida por alguns elementos abundantes em sua composição. Escolheremos filtros que deixam passar certos comprimentos de onda associados a átomos de hidrogênio, oxigênio e enxofre.

FiltroElemento
F502NO III (Oxigênio duplamente ionizado)
F658NH alfa
F673NS II (Enxofre ionizado)

Garimpando os dados

Temos então todas as informações que precisamos para fazer nossa busca por dados no arquivo do Hubble:

AlvoNGC 6302
CâmeraWFC3, ACS
FiltrosF502N, F658N, F673N
Dados para busca dos dados para composição da imagem da nebulosa NGC 6302.

Introduziremos esses dados na interface de pesquisa do arquivo do Hubble em https://archive.stsci.edu/hst/search.php

Interface de busca do arquivo do Telescópio Espacial Hubble.

O resultado dessa busca nos mostrará os dados arquivados de observações da NGC 6302 realizadas com as câmeras e filtros selecionados. Entre os resultados, encontramos um conjunto de exposições realizadas com a WFC3 em 13/03/2020, nos três filtros de interesse e com tempos longos de exposição (todos acima de 1000s). BINGO! São esses que vamos usar!

Resultados da busca. Os três arquivos selecionados são de uma mesma sequência de observação e utilizam os três filtros que nos interessam.

Requisitando os arquivos.

Antes de requisitar os dados, podemos visualizar uma prévia das imagens clicando sobre o nome dos arquivos. Este é um passo importante porque podem ocorrer falhas durante a observação, como problemas de guiagem do telescópio e estabilização da imagem, que resultem em dados inutilizáveis. Como cada arquivo individual pode ultrapassar os 200 MB, convém checar sua integridade antes do download.

Visualização prévia dos dados de imagem.

Após inspecionar cada um dos arquivos de interesse e de nos certificarmos que todos são aceitáveis, podemos requisitar os dados. Selecionamos os três arquivos e clicamos no botão [Submit marked data for retrieval from STDADS].

Requisição dos dados selecionados.

Na janela seguinte, configure o formato dos dados requisitados. Queremos apenas os dados já calibrados e com a extensão drc.

Você receberá uma confirmação de sucesso da requisição e um link de ftp para o download dos arquivos será enviado para o email indicado. Você pode acessar o servidor pelo navegador também, se não tiver um cliente de ftp em sua máquina. Salve os arquivos disponibilzados na pasta. Além dos arquivos de dados FITS, uma prévia em formato jpeg também estará disponível como referência.

E agora? O que faço com os arquivos?

Agora vamos criar a nossa composição RGB combinando os arquivos FITS que acabamos de baixar utilizando o software SAO Image DS9 (Disponível gratuitamente para Linux, Mac OS e Windows em https://sites.google.com/cfa.harvard.edu/saoimageds9/download).

  1. No DS9 crie um novo frame RGB ( utilize o menu Frame > New Frame RGB ou os botões [frame] e [rgb])
  2. Associaremos cada imagem a um dos canais RGB de acordo com o comprimento de onda do filtro utilizado, atribuindo ao canal vermelho (R) o filtro de maior comprimento de onda (F673N, SII), ao canal verde (G) o comprimento de onda intermediário (F658N, H alfa) e ao canal azul (B) o comprimento de onda mais curto (F502N, OIII).
  3. Selecione o canal ativo clicando na coluna Current na janela RGB. Em seguida abra o arquivo correspondente ao canal ativo utilizando o menu File > Open ou os botões [file] e [open] e repita a operação para os três canais.
  1. Ok, mas como saber que arquivo corresponde a cada canal? Você pode conferir na página com o resultado da busca, se ela ainda estiver aberta em seu navegador ou se quiser repetir a pesquisa, mas cada arquivo FITS carrega também um cabeçalho de metadados chamado Header que pode ser inspecionado dentro do DS9. Para inspecionar o header de um arquivo aberto clique nos botões [file] e [header] . Você verá um arquivo de texto como o da figura abaixo. Procure a informação “FILTER = “.
  1. Agora é só lembrar que R = F673N, G = F658N e B = F502N. Mas tem um detalhe aí… Estamos colocando o filtro F658N no canal G, mas na verdade a linha de emissão do hidrogênio alfa é também vermelha! Então é bom lembrar que o que aparece em verde na imagem é na realidade um outro tom de vermelho, mas com a nossa escolha de cores vai ficar bem mais fácil distinguir o que corresponde a cada filtro. Essa configuração é conhecida como “Hubble pallete” e se popularizou com a célebre imagem do Hubble: “Os Pilares da Criação”, que mostra detalhes da Nebulosa da Águia (M 16) com esse padrão de cores.
  2. Pronto! Agora que carregamos os três arquivos precisamos ajustar os histogramas. Comece com a imagem no canal R. Clique nos botões [scale] e [log] e em seguida acesse o menu Scale > Scale parameters…
  3. Você verá um histograma como o da imagem abaixo. Perceba que no gráfico, toda a informação está amontoada perto do zero, ou seja: está tudo muito escuro e vamos precisar “esticar” esse histograma. Introduza esses valores na janela: Low = 0.01 e High = 6.
  1. Repita esse procedimento com os canais G e B usando Low = 0.01 e High = 19. Você também pode experimentar outros valores e pode também tentar outras escalas além da [log]. É aqui que você pode dar seu toque pessoal na imagem. Como diz Rick Sanchez: “Às vezes a ciência é mais arte que ciência!“.
  2. O resultado pode ser algo como a imagem abaixo, mas não perca a chance de libertar o artista que existe em você! Brinque com parâmetros e escalas até encontrar uma combinação satisfatória.

E o nosso resultado final!

Depois de muitas experiências, ficamos felizes com o resultado da imagem abaixo. Mas para chegar nesse resultado a imagem passou por alguns passos adicionais em programas de edição de imagens. Você pode usar programas como o Photoshop ou o GIMP para fazer ajustes cosméticos na sua imagem, reduzindo ruídos, evidenciando detalhes, aplicando ajustes não lineares… E a verdade é que a gente nunca conclui a edição de uma imagem dessas. Sempre dá vontade de mexer um pouco mais, mas a gente acaba parando em algum ponto porque o arquivo do Hubble é enorme e o universo é ainda mais! E a gente já quer passar pro próximo objeto! Que tal uma galáxia na próxima tarefa?

NGC 6302 – A Nebulosa da Borboleta. Imagem RGB composta com dados do Telescópio Espacial Hubble (HST). [dados: NASA/ESA/STScI. processamento Wandeclayt M./Céu Profundo]