Afinal, quanto dura um ano?

Aparentemente falta pauta nas redações no final do ano. E falta também uma boa consultoria sobre astronomia, até para os grandes portais de notícia que sempre requentam e republicam a mesma matéria, fazendo confusão entre períodos orbitais distintos e alardeando, incorretamente, que o ano não acaba no dia 31 de dezembro. Mas isso levanta a questão: afinal, quanto dura um ano?

2024 acabou, e o primeiro anoitecer de 2025 em São José dos Campos (São Paulo) foi ornado pela Lua, Vênus e Saturno. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]

Pra começo de conversa, o ano civil acaba sim em 31 de dezembro. O 31 de dezembro não é uma data com significado astronômico especial, mas a duração do ano obedece sim critérios astronômicos.

Uma rápida consulta nos mecanismos de busca mostram que todos os anos uma confusão sobre a duração do ano toma as manchetes dos portais de notícia.

Mas afinal qual a duração do ano.

Se queremos saber quanto dura um ano, precisamos entender um pouco do que são as órbitas planetárias.

As órbitas dos objetos do Sistema Solar são regidas pela força da gravidade. Uma força tão bem conhecida que nos permite até descobrir novos objetos apenas medindo seus efeitos.

Urano foi descoberto através de observações telescópicas por William Herschel em 1781. Mas perturbações em sua órbita revelaram que existia um outro planeta além de sua órbita. Foi assim que Netuno foi descoberto em 1846.

Trabalhando independentemente, Urbain Le Verrier na França e John Couch Adams na Inglaterra, calcularam a posição de um planeta até então desconhecido, que produziria o desvio observado na órbita de Urano.

O astrônomo John Galle, do Observatório de Berlim, encontrou o planeta que hoje conhecemos como Netuno, a apenas 1º da posição prevista por Le Verrier.

Mas décadas antes da teoria da gravitação de Newton, Johanes Kepler já havia descoberto empiricamente como os planetas se movem.

Para exemplificar, veja a órbita de Mercúrio, na imagem abaixo.

Notou que a órbita não é um círculo perfeito? Ela é levemente achatada e o Sol não fica no centro .

Esse “círculo achatado” se chama elipse e a posição do Sol é um dos “focos” dessa elipse. O ponto marcado com a letra C é o centro da elipse. E o ponto marcado como F2 é o segundo foco, onde não há nenhum objeto.

Essa geometria faz com que haja um ponto da órbita em que o planeta esteja mais próximo do Sol e um ponto em que esteja mais distante.

Esses pontos extremos possuem nomes: Periélio, quando o planeta está mais próximo do Sol. Afélio, quando está mais distante.

O Ano Anomalístico

Você pode estar pensando que essa é uma boa maneira de estabelecer quanto dura um ano. Poderíamos estabelecer que um ano é o período entre duas passagens sucessivas por um desses pontos da órbita. O periélio, por exemplo. É essa a ideia veiculada nas notícias de início de ano.

Porém, isso é algo bem difícil de perceber na prática.

É possível sim usar esse período para definir quanto dura um ano. E de fato ele é usado para definir o que chamamos de Ano Anomalístico.

Mas a órbita da Terra é muito menos achatada que a de mercúrio. E sem a ajuda de instrumentos é impossível perceber que estamos um pouco mais perto do Sol. Em 2025, o Sol passou pelo periélio no dia 4 de janeiro às 10:29h, a pouco mais de 147 milhões de km do Sol.

E você certamente não notou nada de diferente.

No dia 3 de julho, passaremos pelo ponto mais distante, o afélio, a pouco mais de 152 milhões de km. O afélio também é vítima de publicações sensacionalistas e INCORRETAS que viralizam todo ano. Mas você pode se vacinar lendo outro post aqui no blog: https://ceuprofundo.com/2022/05/21/alerta-de-boato-o-que-e-o-afelio/

Mas a verdade é que você também não vai notar a passagem pelo afélio. A diferença entre afélio e periélio é realmente muito pequena.

O Ano Sideral

Mas se a passagem do Sol pelo periélio não é uma maneira muito prática de definir quanto dura um ano, que tal usar como referência as estrelas distantes? Poderíamos medir o tempo entre dois alinhamentos sucessivos do Sol com alguma estrela fixa. Isso é algo razoavelmente fácil de determinar. E o período medido dessa forma é o que chamamos de Ano Sideral.

É sim uma boa maneira de medir o tempo. Mas talvez não tenha grandes consequências práticas. Não faz diferença se o Sol passar um pouco antes ou um pouco depois por esse alinhamento, faz?

Talvez precisemos de uma maneira de medir o ano que tenha mais impacto em nossas vidas.

O Ano Trópico

E se, em vez do periélio ou do alinhamento com alguma estrela, nossos calendários fossem sincronizados com acontecimentos astronômicos mais relevantes? Eventos que nos permitissem prever a temperatura e as chuvas. Ou que tivessem impacto em nosso planejamento para plantar, colher ou nos proteger das intempéries? Quem sabe poderíamos usar o ciclo das estações para isso? Construindo um calendário que mantém fixo o início das estações, temos controle do início da estação chuvosa, da chegada do frio ou do calor, da estiagem ou das inundações… é um calendário realmente útil e prático.

É por isso que faz todo sentido que a duração do ano civil coincida com a duração do ciclos das estações.

O Ano Trópico corresponde ao período entre dois equinócios vernais (no hemisfério sul, isso equivale ao início do outono).

Mas um ano não é um ano?

Bem… tudo seria mais fácil se a Terra fosse uma esfera perfeita. E se Lua e os outros planetas no Sistema Solar não perturbassem nossa órbita.

Mas a realidade está longe de ser uma aula de física do ensino médio, onde o professor pode propor um problema em que um elefante tem massa desprezível e desliza sem atrito sobre o asfalto…

Na prática, há efeitos que perturbam as órbitas (Júpiter, por ser o planeta mais massivo, e a Lua por estar muito perto de nós, produzem as maiores perturbações) e que fazem eixo da Terra cambalear como um pião. O resultado disso é que o ano trópico, o ano sideral e o ano anomalístico acabam tendo durações diferentes, porque esses pontos de referência se deslocam de um ano pra outro. No fim das contas, cada ano acaba tendo uma duração diferente.

A nossa escolha para a duração do ano é a que coincide com o ciclo das estações. O Ano Trópico. Então pode esquecer cada uma dessas matérias que dizem que “segundo a ciência” o ano só começa em 4 de janeiro. O ANO CIVIL NÃO É MEDIDO EM RELAÇÃO AO PERIÉLIO!

Sim, mas afinal quanto dura um ano??

Agora sim podemos falar sobre a duração de cada um desses anos.

AnoDuração Média
Sideral365,2564 dias
Anomalístico365,2596 dias
Trópico365,2422 dias
Duração média dos principais tipos de ano. [Fonte: Astronomical almanac for the year 2015 (United States Naval Observatory, United Kingdom Hydrographic Office)]

Esse tema é realmente rico, mas você pode ler mais sobre calendários e sobre a definição de cada um desses períodos no Explanatory supplement to the Astronomical almanac.

A duração média do Ano Trópico é de 365,2422 dias. Isso é um pouco menos que 365 dias e 6 horas. Mas esse pouco tem consequências… Foi isso que motivou uma mudança de calendário no ano 1582 em uma bula papal editada pelo Papa Gregório XIII.

Com o objetivo de manter a data do equinócio de março fixa, uma nova regra para adoção dos anos bissextos precisou ser estabelecida.

O calendário gregoriano.

Ao acrescentar 1 dia a cada quatro anos, correspondendo às 6 horas que excediam os 365 dias no calendário vigente (o Calendário Juliano), um erro foi acumulado deslocando a data do início da primavera do hemisfério norte (o equinócio de março).

A data do equinócio é importante no calendário do Vaticano para determinar o dia da Páscoa e o período de jejum. A Páscoa corresponde ao domingo após a primeira Lua Cheia que ocorre após o equinócio de março. E se a data do equinócio varia, todas essas datas móveis também se deslocam.

Na correção que resultou no calendário gregoriano, primeiro foram excluídos 10 dias do calendário: em 1582, nos países que adotaram imediatamente o calendário gregoriano, a quinta-feira 4 de outubro foi seguida pela sexta-feira 15 de outubro.

E uma nova regra para os anos bissextos foi estabelecida: 1 dia é acrescentado se o ano for divisível por 4, mas ele não é acrescentado se o ano for divisível por 100, exceto se também for divisível por 400.

Acabou se perdendo nas contas? A gente simplifica: os séculos cheios não são bissextos, exceto se forem múltiplos de 400. Ou seja: 1600 e 2000 foram bissextos. 1700, 1800 e 1900, não. Todos os outros múltiplos de 4 foram. 2100, 2200 e 2300 não serão bissextos. 2400 será. E assim por diante…

Essa correção garante que o calendário permanecerá sincronizado com o início das estações por mais de 3 milênios. É realmente uma correção muito boa, mas infelizmente não impede que influenciadores digitais e portais de notícia continuem dizendo que o ano não acabou em 31 de dezembro.