Calendário Astronômico: Despeça-se de 2023 observando estas joias!

Dezembro dá as boas vindas ao verão! É a estação dominada por Órion, com seu cintilante cinturão! O cinturão de Órion – também conhecido como as Três Marias – são um asterismo facilmente reconhecível nas noites de dezembro. Visível de todo o Brasil, a constelação abriga um dos mais brilhantes objetos de céu profundo: M42, a Grande Nebulosa de Órion! É tempo de tentar identificá-la a olho nu e de apontar os telescópios para essa vasta região de formação estelar! Um efervescente berçário de estrelas ao alcance de qualquer pequeno telescópio.

A constelação de Órion reina no céu de verão. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]
Uma visão levemente desfocada da constelação de Órion realça as cores das estrelas mais brilhantes da constelação e da magnífica nebulosa M42.

Órion é também uma constelação rica em cores! Na imagem acima, levemente desfocada, toda a gama de matizes da constelação fica evidenciada! As estrelas Alnitak, Alnilam e Mintaka, que formam o cinturão de Órion (as Três Marias) são azuladas. Betelgeuse exibe um laranja intenso. Rigel tem um brilho intenso mas pálido. E a nebulosa de Órion resplandece com o vermelho do hidrogênio muito quente que predomina em sua composição.

A norte de Órion outras joias brilham na constelação do Touro! O aglomerado aberto M45 – As Plêiades – também é um objeto famoso com diversos nomes populares: sete irmãs, “sete estrelo”, crucifixo. Na imagem abaixo as Plêiades aparecem em excelente companhia: em conjunção com Vênus em 23 de abril de 2023.

Vênus em conjunção com as Plêiades em 23 de abril de 2023.

Sistema Solar.

Vocês devem imaginar o quanto é trabalhoso compilar os eventos astronômicos do mês para criar uma publicação como esta. Fases da Lua, conjunções entre a Lua e estrelas e planetas, atividade de chuvas de meteoros e outros eventos.
E some a isso a escassez de mão de obra aqui no Céu Profundo: todo o trabalho é feito de forma voluntária e não remunerada.
É esse tipo de situação que motiva alguém a gastar alguma energia buscando formas de automatizar e simplificar tarefas. Foi assim que decidimos fazer um hiato nas publicações das efemérides mensais até que tivéssemos um script em linguagem Python capaz de gerar a maior parte desses dados de maneira automática. E aqui estamos nós! Publicando nosso primeiro post mensal com efemérides geradas utilizando a biblioteca AstroPy.

Além dos dados fornecidos automaticamente pelo script, acrescentamos a configuração dos satélites de Júpiter para todo o mês e o aspecto dos anéis de Saturno, obtidos usando as ferramentas do Planetary Data System e o picos das chuvas de meteoro ativas listadas no calendário da International Meteor Organization (IMO).

Calendário Astronômico - Dezembro/2023
Horários BRT (UTC-3)

2023-12-04 11:00:00 - Mercúrio em máxima elongação: 23.00º leste.
2023-12-04 15:41:00 - Lua no Apogeu (404306.55 km).
2023-12-05 02:50:00 - Lua Minguante.
2023-12-09 11:00:00 - Lua a 3.3º de Vênus.
2023-12-12 07:00:00 - Lua a 3.5º de Marte.
2023-12-12 21:07:00 - Lua Nova.
2023-12-13 a 14     - Pico de atividade da chuva de meteoros Geminídeos.
2023-12-14 02:00:00 - Lua a 4.4º de Mercúrio.
2023-12-16 15:46:00 - Lua no Perigeu (367929.81 km).
2023-12-17 21:00:00 - Lua a 2.3º de Saturno.
2023-12-19 15:40:00 - Lua Crescente.
2023-12-22 08:13:00 - Solstício de Verão (Hemisfério Sul).
2023-12-22 10:00:00 - Lua a 2.4º de Júpiter.
2023-12-22 13:00:00 - Mercúrio em conjunção inferior.
2023-12-26 21:13:00 - Lua Cheia.
2024-01-03 00:39:00 - Terra no Periélio (147100624.62 km).
2024-01-12 12:00:00 - Mercúrio em máxima elongação: 25.34º oeste.

Os Planetas – Dezembro/2023

Vênus segue visível nas madrugadas e Mercúrio após uma máxima elongação a leste em 4 de dezembro mergulha em direção ao Sol e emerge a oeste, atingindo máxima elongação em 12 de janeiro. Saturno e Júpiter são visíveis durante todo o mês. A imagem abaixo mostra o deslocamento aparente do Sol e dos planetas no céu durante o mês de dezembro (clique na imagem para ampliar).

Planetas em Dezembro/2023
Movimento aparente dos planetas no céu em dezembro de 2023. A linha tracejada azul representa a Eclíptica. A trajetória de cada planeta é indicada por uma linha contínua. A seta indica a direção do movimento dos planetas e está posicionada nas coordenadas do planeta na noite de 31/dez. Gráfico gerado utilizando as bibliotecas Matplotlib e Astropy. [Wandeclayt M./Ceu Profundo]

Satélites de Júpiter

Use o diagrama abaixo para identificar ao telescópio os satélites galileanos de Júpiter.

Anéis de Saturno

O script ainda precisa de muitos ajustes e otimizações, mas já realiza suas funções básicas de maneira satisfatória e estamos felizes em compartilhar seus primeiros resultados!
Se a curiosidade bateu e você quer dar uma conferida em nossa programação orientada a gambiarras, o notebook python pode ser acessado no Google Colab.

Fontes de Dados Externas:
Visualização dos Satélites de Júpiter e Anéis de Saturno: https://pds-rings.seti.org/tools/
Chuvas de Meteoros: https://www.imo.net/resources/calendar/

Telescópio Solar orbital da NASA observa cometa Nishimura

Cometa C/2023 P1 (Nishimura)
imageado pelo instrumento Heliospheric Imager
do observatório STEREO A no dia 23/09/2023.

O cometa Nishimura poderia ter dado um espetáculo nas últimas semanas, se não fosse sua posição desagradavelmente desfavorável para a observação no céu após sua passagem pelo periélio. Desde então sua elongação – ângulo de separção entre o cometa e o Sol – não excedeu os 14°. Isso significa que, mesmo o observador mais bem posicionado na superfície, vai ter o cometa a menos de 15° sobre o horizonte no momento do pôr do Sol e no crepúsculo astronômico (quando o Sol está entre 12° e 18° abaixo do horizonte) já não vai ser possível observar o Nishimura.

Mas não é fácil nos fazer desistir! Se não conseguimos observá-lo da superfície, vamos vasculhar os dados de um dos observatórios solares orbitais da NASA para encontrar o arredio cometa.

Cometa C/2023 P1 (Nishimura) – Animação com dados do observatório espacial STEREO A

A missão STEREO (Solar TErrestrial RElations Observatory) usa duas espaçonaves, uma à frente da Terra em sua órbita e outra atrás, para realizar observações estereoscópicas para o estudo do Sol e de suas Ejeções Coronais de Massa. Os dados de observações das STEREO, assim como os de todas as missões financiadas pela NASA, são acessíveis ao público a partir de bases de dados gratuitas e abertas.

Buscando as imagens recentes através do portal STEREO Science Center encontramos o cometa Nishimura no campo do instrumento Heliospheric Imager da STEREO A. Montando uma animação com as imagens recuperadas, podemos ver o cometa cruzando o campo, com direito a uma conjunção com o planeta Marte (é apenas um efeito de perspectiva, já que na verdade Marte está muito mais distante que o cometa).

Utilizamos dados até o dia 26/09, mas você pode seguir buscando dados mais atuais da STEREO para continuar de olho no tímido Nishimura enquanto não conseguimos imagens com nossos telescópios em Terra.

Observatório do Pico dos Dias: O colosso astronômico brasileiro.

O Maior Observatório Astronômico em solo brasileiro forma cientistas e provê dados observacionais há mais de quatro décadas e se prepara para receber novos telescópios.

Iluminadas pela luz suave e alaranjada do nascer do Sol, edifícios com cúpulas semi-esféricas abrigando telescópios estão enfileiradas sobre o topo da montanha. Ao fundo, o horizonte é preenchido por montanhas mais distantes da Serra Mantiqueira.
O conjunto de cúpulas desenha a silhueta do Observatório do Pico dos Dias (OPD) sobre a Serra Mantiqueira, em Brazópolis – MG. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]

O Observatório do Pico dos Dias é o maior e mais importante observatório astronômico em solo brasileiro. Do alto da Serra da Mantiqueira, a 1864 m de altitude, no município de Brazópolis, no sul de Minas Gerais, o Observatório tem servido à astronomia brasileira desde 1980, quando o telescópio Perkin-Elmer de 1,60 m de diâmetro – o maior em solo brasileiro – viu sua primeira luz.

Visão panorâmica do Pico dos Dias, mostrando parte dos 360 ha de área preservada que cercam as instalações científicas e de apoio administrativo do Observatório [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo].

Abrigado sob uma cúpula de 15m de diâmetro, o Perkin-Elmer se ergue como uma colossal sentinela no Pico dos Dias. Seu domo reluzente pode ser visto a dezenas de quilômetros de distância, desenhando junto com as demais cúpulas do OPD a silhueta da imponente montanha.

Nossa Galáxia, a Via-Láctea, parece mergulhar na cúpula do grande telescópio Perkin-Elmer de 1,60m de diâmetro do Observatório do Pico dos Dias. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]

O OPD é também o lar de dois outros importantes instrumentos para a pesquisa e a formação de pessoal em astronomia: os telescópios de 0,60 m Zeiss e Boller-Chivens compõem a tríade de instrumentos principais do OPD.

Os atuais telescópios no topo do Pico dos Dias logo terão companhia, numa expansão que incluirá um telescópio de 0,80 m, já recebido na sede do Laboratório Nacional de Astrofísica em Itajubá (MG) e um telescópio de 0,50 m dedicado à observação solar, já em testes Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em São José dos Campos (SP).

Camera SPARC4 instalada no telescópio Perkin-Elmer de 1,60m no OPD.

Mas não é apenas a instalação de novos telescópios que mantém o OPD em condições de seguir relevante na astrofísica observacional. Os veteranos telescópios no sítio recebem novos instrumentos e atualizações em seus sistemas desde sua instalação. O mais recente desses novos apetrechos é a câmera SPARC4, desenvolvida pelo INPE e pelo LNA para instalação no telescópio Perkin-Elmer. A SPARC4 incorpora 4 sensores que observam simultaneamente em quatro bandas distintas sem a necessidade de troca de filtros, uma característica valiosa e incomum em imageadores astronômicos.

Com exceção do Zeiss de 0,60m, os demais telescópios do OPD, inclusive os futuros telescópios, possuem sistemas de controle que podem ser operados remotamente, permitindo a observação sem o deslocamento dos pesquisadores até o observatório.

O Laboratório Nacional de Astrofísica.

Toda a estrutura observacional da astronomia brasileira é gerida pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), uma unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Isso inclui não apenas o OPD, mas também os grandes telescópios instalados no Chile e no Havaí nos quais o Brasil tem participação.

Grandes telescópios como o SOAR (4 m) e o Gemini Sul (8 m) no Chile e o Gemini Norte (8 m) no Havaí são disponibilizados à comunidade de pesquisa brasileira através de um processo público de submissão de propostas e seleção por mérito.

E você já conhecia o OPD? Gostaria de saber mais sobre esse grande recurso da astronomia brasileira?
Então você vai gostar de saber que o Projeto Céu Profundo, em parceria com a pós-graduação em Astronomia e Física Espacial da UNIVAP, está produzindo um documentário com imagens estonteantes de nosso amado observatório de montanha! Fique de olho em nossos publicações para saber onde assistir!

O cometa da estação! Adicione o cometa Nishimura ao Stellarium

Descoberto em agosto pelo astrônomo Hideo Nishimura, o cometa C/2023 P1 é o cometa mais brilhante a cruzar o céu até este ponto de 2023. Infelizmente isso não quer dizer que será fácil visualizá-lo a olho nu. Após o periélio em 14/09, o cometa permanece a menos de 15º do Sol pelas próximas semanas, muito baixo sobre o horizonte e ofuscado pelo crepúsculo. É uma observação desafiadora.

De qualquer forma, é preciso saber exatamente onde procurar o cometa dia após dia, já que com a proximidade do periélio sua posição varia rapidamente. A ferramenta mais prática e versátil para rastrear esse movimento é o planetário virtual Stellarium (disponível em https://stellarium.org/), um software livre e gratuito que permite a simulação do céu para qualquer posição da superfície terrestre (ou mesmo da superfície de outros planetas) na data e horário solicitados.

Neste guia, mostramos um passo a passo de como adicionar o cometa C/2023 P1 (Nishimura) à base de dados de objetos do Stellarium, facilitando sua vida na hora de buscar no céu esse discreto viajante interplanetário.

1. Configurações

Acesse a janela de configuração no menu lateral ou através da tecla [F2] do Stellarium.

2. Plugins/Complementos

Através da aba Plugins (1), acesse o Editor do Sistema Solar (2) e clique em “Configurar”(3).

3. Importar Elementos Orbitais

Na aba Solar System (Sistema Solar), clique em “Import orbital elements in MPC Format…”

4. Pesquisa online.

Na aba “Online search” pesquise pelo “C/2023 P1”

5. Adicionando objetos.

Selecione as opções indicadas pelas duas setas no alto. Em seguida clique no botão “Add objects” (seta inferior).

6. Pesquisando na base de dados atualizada.

Acesse a Janela de Busca pela barra lateral ou pela tecla (F3).
Pesquise o C/2023 P1 (Nishimura).
Pronto! Se tudo correu bem, o cometa C/2023 P1 (Nishimura) será exibido no seu céu! Ou pelo menos no céu simulado do Stellarium.

Fim da Caçada: Identificado objeto avistado reentrando na atmosfera sobre Minas Gerais e São Paulo.

O avistamento de um objeto flamejante, de brilho verde e se desfazendo no céu na noite da segunda-feira (19/06) disparou uma série de relatos em redes sociais e de chamados pedindo nossa confirmação da natureza do evento.

Com um grande número de relatos na região sudeste de Minas Gerais e em grande parte da região de Campinas e do Vale do Paraíba (SP) seguimos rapidamente para inspecionar as imagens das câmeras da rede de monitoramento de meteoros EXOSS no Observatório da UNIVAP.

Em busca de Imagens!

Mobilizamos o astrônomo Irapuan Oliveira, professor e coordenador do Observatório da Univap, e iniciamos a busca nos arquivos de imagem da noite, mas infelizmente nossas câmeras não estavam apontadas na direção do evento. A boa notícia é que pela trajetória estimada pela rede EXOSS a partir dos relatos e imagens em redes sociais lembramos de uma câmera que certamente teria capturado o evento em sua totalidade: a câmera de monitoramento de céu do Observatório do Pico dos Dias (OPD).

Mapa com a trajetória do objeto estimada pela rede EXOSS. [https://exoss.imo.net/]

O OPD é o maior observatório astronômico em solo brasileiro e é dotado de câmeras que registram integralmente o céu a partir de sua localização privilegiada, 1865m acima do nível do mar, nas montanhas de Brazópolis (MG). Com a ajuda do coordenador do OPD, o Astrônomo Saulo Gargaglioni, recuperamos a imagem capturada no observatório, que registrou integralmente a passagem do objeto por volta das 18:36. A imagem foi importante, porque a câmera possui uma posição conhecida e, além disso, podemos identificar as estrelas no céu, determinando com precisão a orientação da imagem (tente encontrar o Cruzeiro do Sul!).

Câmera All-Sky do Observatório do Pico dos Dias (OPD) [https://www.gov.br/lna/pt-br]

Um Objeto Voador (por pouco tempo) Não Identificado.

As imagens e a descrição do comportamento do objeto levavam a crer que se tratava de lixo espacial. Um objeto lento, se fragmentando na atmosfera e que com certeza se desintegrou antes de atingir o solo. Mas não encontramos nenhum objeto espacial com reentrada prevista no período que pudesse estar passando pela região naquele período.

Sem um suspeito na lista, relutantemente estávamos considerando a hipótese de que pudesse ser apenas um meteoro.

Uma Ajuda de Peso!

Mas entrou em cena uma equipe de peso: um time de especialistas em dinâmica orbital da empresa SAIPHER, em São José dos Campos, iniciou uma série de simulações via software que pudessem se ajustar à trajetória estimada pela rede EXOSS e o suspeito foi identificado!

Simulação de Trajetória do CZ-2C R/B (52323) [Ricardo freire/SAIPHER]

Apresentando o Culpado!

As simulações conduzidas por Ricardo Freire, da SAIPHER, apontaram que o segundo estágio de um foguete Longa Marcha 2C, lançado em 29 de Abril de 2022, no centro de lançamento de Jiuquan, na China, poderia ter reentrado um dia antes do previsto. O objeto também identificado como CZ-2C R/B (NORAD ID: 52323) tinha reentrada prevista para a madrugada do dia 20/06, mas as análises realizadas pela SAIPHER indicam a possibilidade de um decaimento mais acentuado que o previsto, resultando numa reentrada precoce sobre os céus de Minas Gerais e São Paulo na noite do dia 19/06.

A precisa análise conduzida pela SAIPHER permitiu estimar com exatidão as condições nas quais a reentrada ocorreu, ajustando-a aos dados obtidos a partir da rede EXOSS. Simulações como esta serão cada vez mais necessárias, num cenário em que a quantidade de objetos em órbita baixa cresce exponencialmente e com uma expectativa de grande aumento na frequência de eventos de reentrada.

Superpopulação Orbital.

A população de satélites em órbita baixa passa por uma fase de crescimento acelerado desde a última década, trazendo desafios para a operação segura destes objetos e acendendo o alerta para o consequente aumento do lixo espacial representado por componentes de foguetes e satélites que encerraram sua vida útil. O risco de colisão nessa faixa congestionada do espaço em volta da Terra é real e crescente e é apresentando como um dos grandes riscos para a próxima década no relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial de 2022.

Número de Objetos em Órbita da Terra (1960 a 2020) – Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial 2022.

Empresas como a SAIPHER trabalham para prever reentradas e eventos de provável colisão, aumentando a consciência situacional de operadores de objetos espaciais. Um serviço que, em uma sociedade inteiramente dependente de serviços fornecidos via satélite, será vital nos próximos anos.

Imagem da Dark Energy Camera (DECAM), a mais poderosa câmera astronômica já construída, contaminada por rastros dos sateelites Starlink. [NOIRLAB]

Além do risco das colisões, um outro problema assombra a Astronomia: mega constelações de satélites como os Starlink, da empresa SpaceX, são uma fonte de poluição luminosa que contaminam as imagens científicas produzidas nos grandes observatórios, muitas vezes inviabilizando a coleta de dados importantes para a pesquisa.

São reflexos de um crescimente descontrolado e de uma indústria pouco regulada que aos poucos tem mudado, nem sempre para a melhor, a nossa visão do espaço.

MOBFOG – Mostra Brasileira de Foguetes – Você Não Vai Acreditar no Desempenho desses Pequenos Foguetes

palavras-chave: foguetes, mobfog, física, ensino, astronáutica, oba.

Garrafas PET, água, ar comprimido e paixão pelo espaço! São esses os ingredientes para construção e lançamento dos foguetes do nível 3 da MOBFOG – A Mostra Brasileira de Foguetes, uma competição estudantil irmã da célebre OBA – Olimpíada Brasileira de Astronomia.

Estudantes do 6° ao 9° ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas de todo o Brasil participam do nível 3 da MOBFOG, competem pelas medalhas que premiam os foguetes com maior alcance. Mas muito mais valiosos que a premiação são o espírito de colaboração e a oportunidade prática de aprendizado de conceitos de física, matemática e tecnologia aeroespacial proporcionados pela empolgante atividade.

Foguete nível 3 da MOBFOG 2023 de alunas do clube Meninas na Ciência, montado na plataforma de lançamento no campo do INPE em São José dos Campos para uma bateria de ensaios de avaliação. Após a análise dos voos, modificações foram realizadas para otimizar o desempenho dos foguetes!

Em São José dos Campos (SP) , um polo de pesquisa e desenvolvimento na área aeroespacial, os professores e estudantes de escolas públicas municipais ganharam o reforço de pesquisadores e técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE/DCTA) no planejamento e análise do voo dos foguetes.

Para visualizar a dinâmica de voo dos velozes foguetes, o Laboratório de Registro de Imagens do IAE registrou os lançamentos em vídeo de alta velocidade, a 1000 quadros por segundo, permitindo analisar em detalhes a fase inicial do voo e identificar falhas de construção que prejudicam o desempenho dos foguetes.

E o que podemos aprender com os foguetes da MOBFOG?

Captura de tela do software Tracker com o lançamento de um foguete nível 3 da MOBFOG. Os gráficos à direita são do deslocamento e da velocidade do foguete em função do tempo. [créditos LRIM/IAE]

Analisando os vídeos com o software de rastreio TRACKER (um programa aberto e gratuito!), podemos acompanhar o deslocamento do foguete quadro a quadro. Plotando em um gráfico o deslocamento em função do tempo temos uma representação visual de cada fase do voo, identificando a evolução da velocidade do foguete. O Tracker está disponível para download para os os sistemas operacionais Linux, Mac OS X e Windows ou pode ser executado online em sua versão em JavaScript.

Assim que o foguete é liberado e inicia seu movimento, vemos um aumento constante da velocidade. Em seguida, o foguete deixa a base e a velocidade passa a variar com uma taxa mais elevada, mas aproximadamente constante, até que toda a água em seu interior é liberada. A partir daí o foguete segue uma trajetória balística, sujeita apenas a ação da gravidade e da resistência do ar.

A geometria do foguete tem um papel importante em seu desempenho. A posição e o formato das empenas e a posição do centro de gravidade podem torná-lo mais ou menos instável e interferir no alcance máximo. A contribuição desses fatores fica evidente na análise de vídeo.

Mas a maior surpresa pode vir dos valores de velocidade máxima e aceleração que os pequenos foguetes de garrafas PET podem atingir. Acelerações de 100g e velocidades acima de 60m/s foram registradas! Isso reforça a necessidade da estrita observação das normas de segurança: uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), sinalização e isolamento da área de lançamento!

E se tudo for feito com segurança, os lançamentos são um excelente recurso prático para o aprendizado de conceitos físicos como velocidade, aceleração, empuxo, pressão, momento e para a interpretação de gráficos.

Os Dois Anéis de Quaoar.

Quando falamos em anéis em objetos do Sistema Solar você imediatamente lembrará dos exuberantes anéis de Saturno, ou talvez dos mais discretos, mas ainda assim impressionantes, anéis em torno dos gigantes Júpiter, Urano e Netuno revelados em imagens capturadas no infravermelho.

Mas três pequenos corpos do Sistema Solar, através de campanhas observacionais com protagonismo de pesquisadores e instituições brasileiros, revelaram na última década inesperados sistemas anéis a sua volta. E a última dessas descobertas foi anunciada em primeira mão pelo astrônomo Felipe Braga-Ribas em uma das lives do ciclo Abril pra Astronomia, promovido pela Sociedade Astronômica do Recife (SAR) e pelo Projeto Céu Profundo: um tênue segundo anel foi detectado em torno do objeto transnetuniano (50000) Quaoar!

A jornada de descoberta de anéis em torno de pequenos corpos começa com Chariklo, um asteroide da classe dos Centauros, que teve seu anel anunciado em um trabalho de Felipe Braga-Ribas (UTFPR) e colaboradores em 2014 – seguido pelo anúncio em 2015 do anel do planeta anão Haumea, em trabalho liderado por J. L. Ortiz (Instituto de Astrofisica de Andalucía). Mais recentemente, vimos o anúncio de um primeiro anel no objeto trasnetuniano (50000) Quaoar em trabalho publicado em 2023 por Bruno Morgado (UFRJ) e colaboradores, com dados de observações realizadas entre 2018 e 2021.

Mas se a detecção de anéis em pequenos corpos do Sistema Solar já é um resultado surpreendente que evidencia o poder das técnicas observacionais e computacionais envolvidas no processo, a surpresa, o espanto e o orgulho pela ciência brasileira dobra com o anúncio da descoberta de um segundo anel em torno de Quaoar!

Em um artigo aceito para publicação no periódico Astronomy & Astrophysics Letters (já disponível no ArXiv), Chrystian Pereira (Observatório Nacional) e colaboradores anunciam que durante observações de uma ocultação estelar por Quaoar em agosto de 2022, além da confirmação do primeiro anel já observado, os dados apontaram a existência de um segundo anel envolvendo o pequeno e distante corpo.

Quem é Quaoar?

Orbitando o Sol além da órbita de Netuno, a uma distância média que é 43 vezes maior que o raio da órbita da Terra, Quaoar é um pequeno objeto de diâmetro estimado em torno de 1100 km. Seu primeiro anel, batizado de Q1R foi descoberto em observações realizadas entre 2018 e 2021.

Suas pequenas dimensões (aproximadamente um terço do diâmetro da Lua) e sua grande distância tornam impossível fazer imagens que possam resolver detalhes de sua superfície ou mesmo definir sua forma, por isso, são usados métodos indiretos – mas muito precisos – para determinar sua geometria.

Como são realizadas as observações?

Pra deixar bem claro o tamanho do desafio: visto da Terra, Quaoar tem o diâmetro aparente de uma moeda de um real a 154 km distância. Então observações diretas não são uma opção. Mas os pesquisadores envolvidos no trabalho são capazes de computar com grande precisão sua órbita e prever quando e onde é possível observar o trânsito desse objeto em frente a uma estrela, ocultando-a. Esse pequeno e breve eclipse é capaz de nos revelar detalhes da geometria do corpo eclipsante e de quebra fornecer informações sobre a presença ou não de uma atmosfera ou de sua composição.

Representação dos resultados para o formato de Quaoar (no centro) e para a detecção dos anéis Q1R (externo) e Q2R (interno). A órbita do anel Q1R combina dados das observações recentes e das realizadas entre 2018 e 2021, publicadas por Bruno Morgado e colaboradores. A elipse verde marca a posição esperada para o limite de Roche considerando partículas de densidade 0,4 g/cm3 . A existência de anéis além do limite de Roche é inesperada e a influência de efeitos de ressonância com a rotação do corpo central e com a órbita do Weywot (um pequeno satélite de Quaoar) é considerada. A seta indica o movimento da estrela ocultada em relação a Quaoar. [créditos: C.L. Pereira e colaboradores]

Mas assim como um eclipse solar total só é visível ao longo da estreita faixa sobre a superfície terrestre onde a sombra da Lua é diretamente projetada pelo Sol, a observação de ocultações estelares por planetas ou pequenos corpos do Sistema Solar também exige que os observadores estejam posicionados no lugar e na hora certos para essa desafiadora observação. Determinar estas posições e instantes com precisão é o primeiro, mas não o único, desafio para a realização destas observações.

A imagem abaixo mostra a localização de observatórios posicionados na faixa de visibilidade da ocultação. Os pontos laranja representam estações onde o céu estava nublado durante a ocultação, os pontos pretos representam as estações onde a ocultação foi observada com sucesso e o ponto vermelho marca a estação onde a observação não detectou a ocultação. A linha sólida representa o limite da sombra de Quaoar e as linhas pontilhadas delimitam o contorno dos aneis Q1R e Q2R.

Posição dos observatórios envolvidos na aquisição de dados da ocultação da estrela Gaia DR3 4098214367441486592 pelo objeto trasnetuniano Quaoar [créditos: C. L. Pereira e colaboradores]

Limites na sensibilidade dos instrumentos e meteorologia desfavorável são o grande obstáculo para uma observação que exige grande precisão e sensibilidade instrumental. Por sorte, a faixa de ocultação cobria também o arquipélago do Havaí, um dos melhores sítios para observação astronômica do hemisfério norte e lar dos observatórios Gemini Norte, de 8.1m de abertura e CFHT (Canada-France-Hawaii Telescope) de 3.6m. Estes telescópios de grande abertura e com instrumentos de grande sensibilidade foram capazes de resolver a presença do tênue segundo anel de Quaoar.

E quais os resultados?

Os telescópios apontados para a estrela Gaia DR3 4098214367441486592 esperavam ver o brilho da estrela ser atenuado pela passagem de Quaoar, da mesma forma que a passagem da Lua eclipsa o brilho do Sol em um eclipse solar.

Comparando a variação do brilho da estrela em observações realizadas em diferentes posições é possível traçar o contorno do objeto eclipsante. Mais duas breves quedas no fluxo luminoso eram esperadas antes e após a ocultação pelo corpo central, causadas pelo já conhecido anel Q1R, envolvendo Quaoar a uma distância média de 4100km. A surpresa veio de outra sutil queda de fluxo encontrada nos dados numa posição intermediária entre Quaoar e o anel Q1R.

Dados do observatório Gemini Norte no infravermelho próximo (filtro z’) mostram as variações no fluxo luminoso medido da estrela e de Quaoar. A queda profunda na parte central do gráfico corresponde ao intervalo em que Quaoar eclipsou a estrela e as pequenas reduções de fluxo observadas pouco antes e pouco depois da ocultação revelam a presença dos anéis. [créditos: C.L. Pereira e colaboradores]

Esta sutil, mas perceptível, queda no fluxo antes e depois da ocultação principal é suficiente para revelar a presença de um segundo anel, orbitando Quaoar a 2500 km de distância.

As curvas de luz obtidas com os telescópios Gemini Norte e CFHT são coerentes com a existência de um segundo anel em torno de Quaoar. [créditos: C. L. Pereira e colaboradores].
O conjunto de dados dos observatórios que realizaram com sucesso a observação da ocultação estelar por Quaoar revela também a diferença de desempenho dos grandes telescópios Gemini Norte e CFHT no monte Mauna Kea no Havaí.

A análise dos dados da observação permitem não apenas caracterizar Quaoar e seus anéis, mas abre também as portas para discutir a existência destas estruturas numa região além do limite de Roche clássico, onde se esperaria que essas partículas se aglutinassem formando um satélite. Efeitos de ressonância com o período de rotação de Quaoar e com seu pequeno satélite Weywot e a ocorrência de colisões mais elásticas entre as partículas dos anéis são fatores que podem contribuir para a existência e longevidade de anéis além do limite de Roche e o sucesso nos métodos usados em sua detecção podem significar que outros sistemas similares possam ser encontrados em futuras observações. E esperamos que mais uma vez a presença e o protagonismo brasileiro sigam fazendo a diferença.

Tesouros do Céu Austral.

No século XVII o astrônomo francês Charles Messier compilou um célebre catálogo de objetos astronômicos de aparência difusa, incluindo verdadeiras joias que até hoje atraem o fascinado olhar de astrônomos amadores ou os poderosos equipamentos de observatórios profissionais. Mas o catálogo de 110 objetos (alguns foram incorporados após a morte de Messier) nebulosos – que inclui a galáxia de Andrômeda (M31), a Grande Nebulosa de Órion (M42), a Nebulosa do Anel (M57) e outros objetos que povoam a calçada da fama da astronomia – deixa de fora alguns objetos belos e tão brilhantes que podem ser facilmente vistos através de pequenos telescópios, binóculos ou até a olho nu no céu do hemisfério sul.

Um céu ricamente estrelada, com uma faiza nebulosa cruzando a diagonal do canto inferior esquerdo até o canto superior direito. Há regiões mais densas, com concentrações de estrelas destacando-se e pequenas manchas coloridas variando do rosa ao azul distribuídas ao longo da diagonal esfumaçada.
A imagem acima mostra a riqueza do céu austral nas vizinhanças do Cruzeiro do Sul. Esta é uma exposição única de 30 segundos capturada com câmera DSLR numa montagem motorizada. Nenhuma técnica avançada de processamento de imagens astronômicas foi utilizada e a imagem reproduz aproximadamente a visão a olho nu sob um céu preservado da poluição luminosa (escala de bortle 8). [Imagem: Wandeclayt Melo/@ceuprofundo]

A explicação para a omissão desses objetos no catálogo Messier é simples: Vivemos numa Terra esférica e esses objetos não são observáveis a partir da Europa.
A exuberante nebulosa de Eta Carinae, o imponente aglomerado globular Omega Centauri e até galáxias inteiras como as Nuvens de Magalhães são um tesouro oculto para os habitantes das latitudes mais altas no hemisfério norte, mas se revelam em todo o seu esplendor para os olhos e telescópios do sul.

Mas para encontrar esses tesouros um primeiro passo é fundamental : Afaste-se da poluição luminosa das áreas urbanas. Busque áreas rurais ou suburbanas e evite qualquer iluminação excessiva apontada para o céu ou visível diretamente de seu ponto de observação. Quanto mais escuro o ambiente, melhor será a sua experiência e mais destacados os objetos astronômicos aparecerão, em contraste com o fundo do céu.

Agora, afastados da poluição luminosa, podemos iniciar a caça ao tesouro. Comece identificando a constelação de Crux, o Cruzeiro do Sul.
Visível de todo o Brasil e facilmente reconhecível mesmo em céus urbanos, o Cruzeiro do Sul é um excelente ponto de partida para iniciar o reconhecimento do hemisfério sul celeste. Após identificarmos o Cruzeiro e suas cinco estrelas mais brilhantes – as quatro estrelas nas pontas dos braços da cruz, mais a “intrometida” – encontramos a leste duas estrelas muito brilhantes: alfa e beta da constelação do Centauro, ou alfa e beta centauri.

Carta da região circunvizinha ao Cruzeiro do Sul, gerada com o software Cartes du Ciel (Sky Charts) versão 4.2.1. O software é aberto e gratuito e está disponível para download em https://www.ap-i.net/skychart/. Compare com a fotografia mais acima.

Utilizando uma boa carta celeste ou um aplicativo de celular (não vamos indicar nenhum aplicativo em particular, porque quase todos cumprem muito bem o seu papel) continue explorando o céu ao redor do Cruzeiro. Identifique mais a oeste as constelações de Carina e Vela. Ao sul, a Mosca. Veja também como a constelação do Centauro envolve a Cruz a leste, norte e oeste.

Se você estiver num local realmente escuro, olhando para essas regiões do céu, perceberá algumas manchas difusas no céu. Um longa faixa clara – a Via Láctea – se estende de leste a oeste. Pequenas regiões nebulosas pontuam essa faixa e são melhor percebidas se não as observarmos diretamente. Tente olhar para um ponto próximo e usar o canto do olho para perceber melhor essas manchinhas nebulosas. Essa técnica de visão periférica é algo que usamos também ao observar objetos mais tênues através da ocular do telescópio.

Você perceberá dezenas desses pontos. São nebulosas, galáxias e aglomerados estelares. Perceptíveis a olho nu como pequenas manchas, mas que revelam sua verdadeira natureza e todo seu esplendor quando observamos através de binóculos e telescópios.

Esse é um excelente primeiro passo na exploração dos tesouros do céu profundo ocultos no céu austral. Visite e revisite estes objetos e venha aqui compartilhar conosco!

Cadê a Fosfina?

Imagem de Vênus, com espectro sobreposto, mostrando linhas de absorção do ozônio (O3) na atmosfera da terrestre e sem indicação da presença de fosfina (PH3). – [Imagem produzida por Wandeclayt M. com dados da espaçonave Messenger, durante seu segundo sobrevoo a Vênus em junho de 2007. A imagem é uma composição colorida RGB utilizando os canais de 433.2nm, 579.9nm e 748.7n do instrumento MDIS, capturados quando a nave passava a 66 mil km do planeta].

Em 2021, o anúncio da detecção de traços do gás fosfina (PH3) na atmosfera do planeta Vênus, apontada por dados do rádio observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), causou euforia na comunidade científica.

Antenas do radio observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) no norte do Chile. Com dados desde observatório, um grupo publicou em 2021 a descoberta de uma abundância acima da esperada de moléculas de fosfina na atmosfera de Vênus. [imagem: ESO/B. Tafreshi]

A abundância de fosfina reportada inicialmente (20 partes por bilhão) era anormalmente alta e sua origem não poderia ser facilmente explicada por processos conhecidos. A euforia vem do fato da fosfina ser um biomarcador – uma molécula que pode estar associada ao metabolismo de seres vivos – que na Terra é formada por matéria orgânica em decomposição, e seu excesso, se confirmado, poderia significar a presença de vida na atmosfera de Vênus. Uma hipótese ousada que precisaria de dados muitos robustos para suportá-la.

O trabalho de Martin Cordiner, do Goddard Space Flight Center, e colaboradores, aceito para publicação no periódico Geophysical Research Letters.

Mas os dados robustos não vieram. Após a divulgação do resultado, uma recalibração dos dados do ALMA levou a uma estimativa muito mais modesta: de 1 a 7 partes de fosfina por bilhão. Algo muito mais condizente com processos naturais, como atividade vulcânica e outros processos que não envolvem metabolismo de seres vivos.

Cuidadosas observações realizadas em seguida, pelo recém aposentado telescópio infravermelho SOFIA – um telescópio de 2.7m de diâmetro operando embarcado em um Boeing 747 modificado da NASA – deram origem a um trabalho publicado por Martin Cordiner do Centro Espacial Goddard, e colaboradores, estabelecendo um limite superior para a abundância de fosfina venusiana: a substância não foi detectada, e caso ela esteja presente na atmosfera do planeta, não deve exceder as 0.8 partes por bilhão na faixa entre 75 e 110 km de altitude.

SOFIA (Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy) – Um telescópio infravermelho de 2,7m de diâmetro (2,5m de diâmetro útil), aerotransportado em um Boeing 747 adaptado. Uma cooperação entre as agências espaciais dos EUA (NASA) e Alemanha (DLR).

Durante sua vida útil, o observatório SOFIA operou em uma condição privilegiada: voando entre 38000 e 44000 pés de altitude, seu telescópio se colocava acima de 99% da atmosfera terrestre e de seus efeitos na absorção da reveladora radiação infravermelha. Sua mobilidade também era uma grande vantagem, permitindo observar eventos transientes como eclipses e trânsitos de objetos do Sistema Solar, mesmo quando esses só fossem visíveis sobre o oceano ou outras regiões onde não há observatórios.

Os dados do SOFIA vão na direção do que muitos esperavam e reforça a ideia de que o resultado publicado em 2021 foi fruto de dados mal calibrados. Este é um processo comum na ciência: um trabalho pode chegar em conclusões incorretas por falhas em seus métodos ou em seu conjunto de dados, mas análises e novas observações posteriores podem mostrar essas inconsistências e corrigir esses resultados.

O Telescópio Espacial Spitzer

Muito antes do poderoso Telescópio Espacial James Webb desdobrar-se no espaço e apontar seu colossal espelho de 6,5m para planetas, nebulosas e galáxias, um pequeno telescópio espacial, com espelho de modestos 0,85m de diâmetro expandia nossa visão dos céus, observando estrelas nascendo e morrendo, nuvens moleculares, exoplanetas, galáxias com núcleos ativos e muitos outros objetos que guardam informações importantes na radiação infravermelha que – absorvida por nossa atmosfera – é completamente inacessível aos telescópios construídos no solo.

Seu nome é uma homenagem ao astrônomo Lyman Spitzer Jr, que em 1946, mais de uma década antes do lançamento do Sputnik – o primeiro satélite artificial, lançado pela União Soviética em 1957 – defendeu a ideia da construção de telescópios orbitais. Spitzer argumentou que a grande contribuição de um telescópio espacial não seria complementar nossa visão corrente do Cosmos, mas sim descobrir novos fenômenos sequer imaginados, realmente expandindo nosso conhecimento do universo e abrindo novas fronteiras para a pesquisa.

Lançado em 25 de agosto de 2003 e projetado para uma vida útil mínima de 2,5 anos, o telescópio espacial Spitzer manteve-se em funcionamento prestando bons serviços à astronomia por longos 16 anos de operação. Embora sua operação nominal dependesse de um sistema refrigerado a hélio líquido que se exauriu após 5,5 anos, foi possível continuar operando o telescópio em um regime de funcionamento restrito a frequências mais próximas do visível após o esgotamento do gás refrigerante.

Faixas de cobertura de comprimentos de onda do espectro eletromagnético dos telescópios espaciais Hubble, James Webb e Spitzer. [NASA/STScI. Traducão: Wandeclayt/Céu Profundo]

E mesmo após o término de sua vida operacional o Spitzer continua contribuindo com a ciência. Os dados coletados durante seus 16 anos de operação ainda alimentam pesquisas como a da astrônoma Yanna Martins-Franco, do Observatório do Valongo (OV/UFRJ) que utiliza em seu trabalho dados de galáxias luminosas em infravermelho observadas pelo Spitzer e disponíveis em seu banco de dados.

As galáxias NGC 5394 e 5395 formam o sistema de galáxias em interação ARP 84. Nesta imagem combinamos dados dos 4 canais do instrumento IRAC do Telescópio Espacial Infravermelho Spitzer.

O sistema de galáxias em interação ARP 84 (formado pelas galáxias NGC5394 e NGC5395) faz parte da amostra estudada por Yanna. Usamos dados nas quatro faixas do infravermelho capturadas pelo Spitzer através do instrumento IRAC (Infrared Array Camera) para compor esta imagem da ARP84. Como estas faixas estão fora do espectro visível, é preciso atribuir cores artificialmente a esses dados. Essa atribuição de cores, apesar de arbitrária, procura seguir um critério: aos comprimentos de onda mais longos são atribuídos aos tons mais avermelhados e os mais curtos aos azulados. Assim, o vermelho corresponde a emissão de estruturas mais frias, como a poeira que apareceria escura numa imagem em luz visível, mas que aparece em vermelho brilhante na imagem composta.

IRAC foi o único dos instrumentos que continuou em operação após o esgotamento do hélio líquido e embora os detectores operando em faixas mais longas -em 5,8 e 8,0 mícrons – estivessem quentes demais para realizar observações cientificamente úteis, os canais operando em 3,6 e 4,5 mícrons puderam funcionar com alto desempenho até a desativação do telescópio em 30 de janeiro de 2000.

E se você tem curiosidade em acessar os dados e construir suas próprias imagens com o telescópio Spitzer, a dica é navegar pelo IRSA – InfraRed Science Archive onde dados do Spitzer e de outros telescópios infravermelhos podem ser acessados e visualizados através de diversas interfaces de acesso.

Página inicial do NASA/IPAC InfraRed Science Archive, onde dados de vários telescópios infravermelhos podem ser acessados e visualizados.