O cometa C/2023 A3 (Tsuchinshan-ATLAS) é realmente um dos cometas mais brilhantes das últimas décadas. Como uma vantagem adicional para observadores no hemisfério sul, a passagem pelo periélio, o ponto da órbita do cometa mais próximo ao Sol, ocorreu com o cometa ao Sul da eclíptica – o plano da órbita terrestre – nos garantindo uma visão privilegiada no período de maior brilho do cometa.
A imagem que abre esta postagem foi capturada na madrugada de 02 de outubro, em São José dos Campos (SP), numa região afastada da zona urbana da cidade. Acordamos às 3 da manhã e nos deslocamos até às margens da rodovia Carvalho Pinto, para evitar a contaminação das luzes da cidade na imagem. Esse esforço garantiu que a longa cauda do cometa fosse registrada quase que preenchendo todo o campo da imagem, com uma objetiva de 85 mm.
Uma imagem inegavelmente deslumbrante, não? Mas todo esse esplendor que tem deixado eufórica a comunidade da astrofotografia está muito longe do que pode ser contemplado a olho nu.
Na verdade, encontrar o cometa tão baixo no horizonte e mergulhado nos primeiros raios do amanhecer é uma tarefa desafiadora. E se você espera uma imagem tão contrastada e brilhante quanto as que você certamente tem visto publicadas, a única coisa que vai encontrar é frustração.
Então não Vou Ver o Cometa?
Há algumas dicas para melhorar sua experiência ao observar um cometa. A primeira vale pra qualquer tipo de observação de objetos tênues no céu: afaste-se da poluição luminosa! As luzes da cidade mascaram os objetos menos luminosos ou mais difusos.
E mesmo que você se afaste em direção a áreas rurais ou zonas nas periferias da cidade, evite ter luzes fortes na vizinhança, especialmente luzes que você possa ver diretamente. Olhar para telas também vai prejudicar sua adaptação à escuridão, então deixe seu celular no bolso se quiser manter suas pupilas dilatadas.
Outro obstáculo a ser contornado é a baixa elevação do cometa sobre o horizonte. É preciso procurar locais com vista desobstruída na direção do cometa. De preferência locais que permitam ver pelo menos a partir de 5º acima do horizonte.
Mas a Iluminação Atrapalha Tanto Assim?
Na imagem abaixo é possível perceber o impacto da poluição luminosa. O brilho do céu, causado pela excessiva e mal direcionada iluminação da cidade, oculta estrelas e diminui a visibilidade do cometa. A rede de observadores de cometas COBS estima magnitude próxima a 1.5 no momento da foto.
Em um local escuro e com o cometa alto no céu, isso significaria um objeto muito brilhante! Mas no meio da cidade e com o objeto baixo, observado através de uma camada muito mais espessa da atmosfera (com o agravante da presença da fumaça das queimadas) o cometa é apenas marginalmente percebido a olho nu. E as luzes da cidade são refletidas e espalhadas pelas partículas em suspensão, deixando o céu excessivamente brilhante!
Nessas condições, o “Cometa do Século” fica reduzido a pouco mais que uma sutil manchinha que parece sumir quando olhamos diretamente para ela.
É preciso também saber exatamente para onde olhar! Você pode se orientar pelo mapa abaixo, ou consultar diagramas mais detalhados como os fornecidos pelo site TheSkyLive.
E com Instrumentos?
O brilho do cometa evoluiu bem após a passagem pelo periélio, mas isso não garante que ele seja facilmente perceptível a olho nu, principalmente de dentro de áreas urbanas. Mas telescópios não são os melhores instrumentos para a observação de cometas. Com os grandes aumentos e pequenos campos proporcionados pelos telescópios, vemos apenas a região ao redor do núcleo do cometa. Se você quer uma visão mais ampla, binóculos são os instrumentos ideais. Binóculos com 50 mm de abertura e 7 aumentos (identificados como 7×50) são uma boa escolha: são leves, produzem imagens luminosas e com grande campo e são relativamente baratos.
Curva de luz do cometa C/2023 A3, medida por observadores da rede COBS.
Tudo Vale a Pena (Se a Alma Não é Pequena).
Mas merecendo o título “Cometa do Século”ou não, faça um esforço para observar com seus próprios olhos o C/2023 A3 e qualquer outro cometa que esteja acessível de sua latitude. São eventos raros e cada cometa é único! Cada um destes visitantes dos confins do Sistema Solar evolui de maneiras distintas, podendo desenvolver uma ou mais caudas, com diferentes geometrias, comprimentos brilhos e composição. Sua evolução também pode ser bastante dinâmica exibindo grandes variações de brilho e erupções ou mesmo podendo se fragmentar.
E mesmo que os cometas não sejam realmente os faróis ofuscantes que os títulos das manchetes ou os posts em redes sociais querem nos fazer crer sejam, vale a pena o esforço de buscar locais e condições melhores para observar essas “manchinhas”. Pode ser uma jornada realmente trabalhosa, mas garantimos que são grandes as chances de a experiência se tão recompensadora que você sentir a tentação de se juntar definitivamente à turma da caça aos cometas!
Assim como o Mickey Mouse da animação de 1928 que acaba de entrar em domínio público, catálogos astronômicos podem ser usados livremente sem que você precise pagar por eles.
Há várias maneiras de se identificar uma mesma estrela no céu. Algumas estrelas possuem nomes próprios, como Sírius, a estrela mais brilhante na constelação do Cão Maior. Ou como Betelgeuse e Rigel em Órion. Ou ainda Antares, a gigante vermelha que marca o coração da constelação do Escorpião.
Muitos desses nomes tem origem na Grécia antiga e trilharam um longo caminho até os nossos dias através de obras como o Almajesto, escrito no séc. II por Claudio Ptolomeu, que resgatava o trabalho de Hiparco (190 a.C – 120 a.C) que elaborou o primeiro catálogo estelar e introduziu o conceito de “grandezas” para quantificar o brilho das estrelas, atribuindo seis grandezas às estrelas então visíveis a olho nu, indo da primeira grandeza para as mais brilhantes até a sexta grandeza para as estrelas no limite da visibilidade. Esta classificação em grandezas foi preservada no sistema moderno de magnitudes de objetos astronômicos.
A ponte entre Claudio Ptolomeu e o Renascimento europeu coube principalmente a astrônomos árabes, que deixaram um rico legado de nomenclatura estelar, seja por nomes cunhados originalmente pelos povos do deserto ou por transcrições de nomes gregos. O Livros das Estrelas Fixas (964 d.C) do astrônomo persa Abd al-Rahman al-Sufi, descreve as 48 constelações listadas por Ptolomeu e inclui tabelas com a localização e magnitude das estrelas e listas com seus nomes árabes. Al Sufi é uma das grandes fontes de nomes estelares que se perpetuaram e foi uma grande influência para a Astronomia europeia.
A constelação de Escorpião representada no Livro das Estrelas Fixas, de Al Sufi.
Nomes latinos como Spica (a Espiga) em Virgem, ou Bellatrix (a Guerreira) em Órion misturam-se a nomes de origem árabe que você certamente conhece: Betelgeuse (que vem de Ibt al Jauzah, A axila do que está no meio) em Órion, Aldebaran ( Al Dabaran, Aquela que segue. No caso, segue as Plêiades) em Touro e Denébola (Al Dhanab al Asad, a cauda do Leão) em Leão.
Mas nem todas as estrelas visíveis possuem nomes próprios. Johann Bayer (1572-1625) publicou em 1603 seu atlas estelar Uranometria (Uranometria Omnium Asterismorum) introduzindo um novo sistema de nomenclatura: a partir da estrela mais brilhante da constelação, atribuem-se em ordem alfabética as letras do alfabeto grego, seguido do genitivo em latim da constelação. Assim, estrela mais brilhante na constelação do Touro (Aldebaran) é a alfa Tauri, a segunda mais brilhante é a beta Tauri e assim sucessivamente. Após a última letra do alfabeto grego (ômega), Bayer utilizou as letras do alfabeto latino.
O Uranometria de Bayer certamente simplificou a maneira como identificamos estrelas, mas ainda assim, é insuficiente quando mergulhamos em direção a estrelas menos luminosas. A sequência necessária ao trabalho de Bayer veio com o catálogo criado por John Flamsteed (1646-1719) que ordenava as estrelas não pelo seu brilho aparente mas por suas coordenadas, listando-as em ordem crescente de ascenção reta em seu Stellarum Inerrantium Catalogus Britannicus (Catálogo Britânico das Estrelas Fixas) incluído no volume 3 do Historiae coelestis Britannicae, publicado postumamente em 1725.
A esta altura, já temos três maneiras de identificar as estrelas mais brilhantes: por seu nome próprio e pelas designações de Bayer e de Flamsteed. Assim, a estrela número 58 na constelação de Órion (58 Orionis) do catálogo de Flamsteed é também a alfa Orionis na designação de Bayer, além de ter seu nome próprio: Betelgeuse.
Região das Constelações de Órion e Touro no Atlas de Flamsteed. Constelações que não se popularizam como “O pequeno telescópio de Herschel” e “A Harpa de George” aparecem representadas nessa edição francesa do Atlas de 1776 [Acervo online da Universiteit Utrecht].
Das 2936 estrelas listadas na versão final do catálogo de Flamsteed, no séc 18, até os catálogos contemporâneos o salto no número de objetos catalogados não foi nada singelo. No séc. 19, o atlas Uranographia (1801) de Johann Elert Bode (1747-1826) incluía novas estrelas do hemisfério sul celeste e representava novas constelações imaginadas por Hevelius e Lacalle, chegando a 17240 objetos. O Uranometria Argentina(1879), de Benjamin Gould, elevava o número de objetos a 32448.
No séc. 20, novos grandes catálogos surgiram, como os populares Henry Draper Catalog (HD), Bright Star Catalog (Harvard Revised Photometry, HR) e Smithsonian Astrophysical Observatory Catalog (SAO), todos usando designações alfanuméricas. Usando esses catálogos, Betelgeuse pode ser chamada de HD39801, HR 2061 ou SAO 113271.
Consultando dados do catálogo Gaia DR1 em uma região do aglomerado globular de estrelas M4, imageado pelo Telescópio Espacial Hubble. Tanto as imagens do Hubble quanto os dados do Gaia são públicos e amplamente utilizados por cientistas profissionais e cidadãos.
Saltando para a atualidade, na era dos mapeamentos realizados por satélites, chegamos catálogos 1 milhão de vezes maiores que o de Bayer. Em sua versão publicada em 2022, o catálogo gerado pelo satélite Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), lista 1,5 bilhão de fontes com magnitude, posição, paralaxe e movimento próprio.
O valor de um catálogo mora na sua utilidade e na ampla adoção pela comunidade. Ao listar um objeto em uma publicação científica é preciso que aquele objeto seja inequivocamente identificado por qualquer pessoa interessada, cientista profissional ou não, independente de sua nacionalidade ou cultura. E isto é possível graças ao uso de catálogos que são de conhecimento de toda a comunidade de observação e pesquisa em astronomia, incluindo a observação amadora. Se recebemos uma previsão de que a estrela HD39801 será ocultada por um asteroide, prontamente sabemos suas coordenadas e magnitude e podemos identificar que a estrela é a nossa familiar Betelgeuse.
Isso significa que um catálogo particular, sem qualquer uso pela comunidade não tem valor? A resposta curta é sim. Mas há quem consiga lucrar com isso, aproveitando-se da ingenuidade do público menos familiarizado com o tema. Há quem cobre para batizar uma estrela com seu nome, oferecendo vistosos certificados de inclusão num catálogo que será utilizado por um total de zero pessoas. Aparentemente o encontro entre oportunismo e ingenuidade é o motor desse mercado. Falamos com tranquilidade: vender estrelas é golpe.
O fato é que a compra do nome de uma estrela não tem qualquer respaldo da entidade mundial de regulação da nomenclatura astronômica, a União Astronômica Internacional (IAU) e mais ninguém além de você e de quem ganhou o seu dinheiro vai fazer a mínima ideia de que você deu seu nome ao distante astro.
Catálogos oficiais, utilizados pela comunidade astronômica, não comercializam nomes de estrelas ou de outros objetos astronômicos. Fuja desse golpe.
E como a IAU não comercializa nomes de objetos astronômicos, talvez faça mais sentido adotar livre e gratuitamente a estrela de sua preferência e quem sabe até presentear seus entes queridos com sua estrela favorita sem precisar pagar para qualquer empresa charlatã. E se você não possui um telescópio, pode explorar o céu e escolher sua estrela, ou talvez uma nebulosa ou uma galáxia inteira, em um atlas celeste fotográfico como o ESASky. Provavelmente você não vai poder mandar entregar esse presente, mas não temos dúvidas de que dedicar a alguém um belo objeto astronômico que você pacientemente encontrou após explorar uma região do céu é um presente único e tocante. Mas o mais importante é: não compre! Adote!
Você certamente conhece a constelação do Cruzeiro do Sul e possivelmente consegue reconhecê-la com facilidade no céu noturno, não? Bem, talvez em um céu realmente escuro, longe da poluição luminosa das áreas urbanas, como na imagem abaixo, haja tantas estrelas visíveis que a tarefa de identificar o Cruzeiro do Sul seja um pouco mais desafiadora. Mas vamos dar uma ajudinha. Marcamos aí as 5 estrelas mais brilhantes que formam o asterismo do Cruzeiro!
E usamos a palavra “asterismo” porque a constelação do Cruzeiro do Sul, ou Crux, não se resume a essas 5 estrelas. O conceito moderno de constelação, adotado pela União Astronômica Internacional (IAU), orgão responsável pela nomenclatura oficial usada pela astronomia profissional, não é a de um “grupo de estrelas”.
A constelação na verdade é uma área do céu, com bordas bem definidas de acordo com suas coordenadas celestes. E o que a IAU define como a constelação do Cruzeiro é toda a região em verde na imagem abaixo.
Carta Celeste da Região do Cruzeiro do Sul e adjacências, criada no software Sky Charts [créditos: Wandeclayt M./@ceuprofundo]
Assim, todas as estrelas, nebulosas, aglomerados estelares ou outros objetos astronômicos vistos na região demarcada, estão na constelação do Cruzeiro.
E essas estrelas estão próximas umas das outras?
Esse é outro aspecto que precisamos discutir! As estrelas de uma constelação, não estão necessariamente próximas umas das outras. Estão apenas na mesma direção aproximada no céu, mas podem apresentar distâncias variadas entre elas.
Mas para criar um mapa tridimensional do céu, conhecendo não apenas a direção das estrelas na esfera celeste mas também suas distâncias, foi preciso esperar dois milênios.
Medindo distâncias.
A área da Astronomia que se ocupa de medir as posições dos objetos celestes se chama Astrometria e surgiu muito antes dos telescópios passarem a ser empregados para a observação do céu no século 17.
Hiparco, na Grécia do século 2 a.C, já mapeava as estrelas e o Almagesto, a grande compilação astronômica de Claudio Ptolomeu no Egito do século 2 d.C, trazia os mapas das constelações catalogadas por Hiparco e a classificação das estrelas por seu brilho (as medidas de brilho são outra atividade observacional importante: a Fotometria).
No século 16, Tycho Brahe foi um criterioso observador da era pré telescópica e suas precisas observações astrométricas do planeta Marte foram a base para que seu discípulo Johannes Kepler enunciasse as leis empíricas do movimento planetário. Empíricas porque ainda não havia uma teoria gravitacional que explicasse a natureza do movimento orbital e a geometria das órbitas descrita por Kepler era totalmente baseada nos dados observacionais.
Mas medir distâncias estava longe do que Tycho conseguiria fazer no século 16 e completamente fora do alcance do que Hiparco poderia sonhar em fazer no século 2 a.C.
O método geométrico usado hoje para medir indiretamente as distâncias estelares é conceitualmente simples e está representado no diagrama da figura abaixo. Observamos uma estrela a partir de uma posição da órbita terrestre e registramos sua posição. Seis meses depois, a Terra estará numa posição diametralmente oposta em sua órbita e, portanto, a aproximadamente 300 milhões de quilômetros distante da posição anterior. Fazemos uma nova observação e registramos o deslocamento aparente sofrido pela estrela, devido à mudança do ponto de vista de nossa observação. Chamamos esse deslocamento aparente de “paralaxe” e ele vai variar com a distância da estrela. Estrelas mais próximas apresentarão uma paralaxe maior. Estrelas mais distantes, uma paralaxe menor.
Você pode testar esse método olhando para seu dedo indicador com o braço esticado alternadamente com cada um dos olhos. Você vai perceber que o dedo vai parecer se deslocar a medida que você troca de olho ao observá-lo. Aproxime o dedo um pouco mais do rosto. O deslocamento vai parecer maior.
Mas se o método é assim tão simples, por que Hiparco e Tycho não poderiam medir a distância até as estrelas mais próximas? Aí aparecem dois problemas! O primeiro deles é que a distância até as estrelas é muito maior do que qualquer pensador da antiguidade, ou mesmo do Renascimento, se arriscou a estimar e a paralaxe estelar é muito pequena. E o segundo é que imperava o modelo geocêntrico do Universo, que acabava sendo reforçado pela falha na detecção da paralaxe estelar, afinal, se não há paralaxe, a Terra deveria ser imóvel!
A largada da corrida para medir a paralaxe estelar só é dada com o triunfo do heliocentrismo e com a compreensão do movimento orbital da Terra, graças inicialmente a Kepler e Newton. A partir do momento que tínhamos certeza que a Terra orbitava o Sol, necessariamente deveria haver alguma paralaxe a ser medida, ainda que muito pequena.
Mas quanto é uma paralaxe “muito pequena“?
Vamos introduzir mais alguns conceitos para deixar isso mais claro. Na Astrometria usamos medidas angulares para falar da posição ou da separação entre objetos na esfera celeste ou do diâmetro aparente de alguns corpos.
Um círculo é tradicionalmente dividido em 360 partes iguais chamadas de graus (°). A separação entre o horizonte e o zênite (o ponto no céu que fica acima da sua cabeça) é de 1/4 de círculo ou de 90º. O Sol e a Lua representam no céu um diâmetro de 0,5°.
Essa divisão do círculo em 360 graus é uma herança da Babilônia e remonta a mais de 2000 anos antes de Cristo. Nesse sistema, cada grau é dividido em 60 partes chamadas “minutos de arco” (ou 60′) e cada minuto de arco é dividido em 60 segundos de arco (ou 60″). Ou seja, 1º equivale a 3600″.
Há inclusive uma unidade de distância definida a partir da paralaxe, o parsec. Um parsec é a distância na qual um objeto exibe uma paralaxe de 1 segundo de arco, e equivale a 3,26 anos luz.
E aí está o grande desafio! Como nenhuma estrela, além do Sol, está localizada a menos de um parsec, a paralaxe a ser medida é menor que 1 segundo de arco, ou mais que 3600 vezes menor do que 1°.
Michael Perryman em the History of Astrometry aponta que as melhores observações de Tycho alcançaram uma resolução de 20 segundos de arco, bem longe da resolução necessária para medir a paralaxe estelar.
No século 18, William Herschel e sua irmã Caroline realizaram grandes descobertas com telescópios de dimensões nada modestas (mais de 1 m de diâmetro e 12 metros de distância focal). Entre as contribuições dos irmãos Herschel para a Astronomia estão a descoberta de Urano e duas de suas luas, de duas luas de Saturno e a detecção do movimento orbital em estrelas binárias. Mas eles falharam na detecção da paralaxe estelar. Não por limitações instrumentais, mas por não terem selecionado estrelas próximas o suficiente para exibir uma paralaxe mensurável.
Uma melhor seleção de estrelas candidatas a exibir uma maior paralaxe (e portanto estarem mais próximas) surge a partir de critérios sugeridos pelo astrônomo Wilhelm Struve na primeira metade do século 19: estrelas brilhantes, com grande movimento próprio (além do efeito da paralaxe, as estrelas estão realmente se movendo no céu e um movimento próprio mais rápido pode significar que a estrela está mais próxima de nós) e, no caso de estrelas binárias, estrelas que estejam bem separadas, a julgar por seu movimento orbital.[1]
Foi na década de 1830 que as primeiras medidas confiáveis de paralaxe foram finalmente publicadas. Struve anunciou uma paralaxe de 1/8 de segundo de arco para Vega (a alfa de Lira) e Friedrich Bessel encontrou uma paralaxe de 0,314 segundos de arco para a estrela 61 Cygni. Trabalhos seguidos pela determinação da paralaxe de Alfa Centauri, por Thomas Henderson em 1839.
Embora Alfa Centauri faça parte do sistema estelar mais próximo do Sistema Solar, ela está fora do alcance de observadores nas latitudes da Europa (consequências de uma Terra esférica) e foi observada por Henderson em uma campanha no Cabo da Boa Esperança.
E parou por aí?
A Astrometria seguiu muito bem, obrigado, e mapas cobrindo ambos os hemisférios celestes foram produzidos incorporando dados cada vez mais precisos de coordenadas celestes, movimento próprio e distância, até que a própria atmosfera terrestre tornou-se o principal limitante para o que poderia ser medido com telescópios instalados na superfície.
O novo salto de qualidade vem com a proposta apresentada em 1967 pelo francês Pierre Lacroute[2]: um telescópio dedicado a astrometria e fotometria em órbita da Terra, acima da atmosfera, onde poderia catalogar estrelas muito menos brilhantes e atingir precisão sem precedentes nas medidas astrométricas e cobrindo inteiramente ambos os hemisférios celestes (outra restrição encontrada pelos telescópios na superfície é a impossibilidade de observar todo o céu).
HIPPARCOS foi o primeiro satélite dedicado a astrometria. Lançado pela ESA em 1989, inaugurou uma era de alta precisão nos catálogos estelares [imagem: Agência Espacial Europeia].
A ideia culminou no lançamento do satélite Hipparcos (HIgh Precision PARallax COllecting Satellite), pela Agência Espacial Europeia (ESA) em 1989. O satélite coletou dados até 1993, dando origem ao catálogo Hipparcos, com quase 120 mil estrelas. Seus dados geraram ainda os catálogos Tycho e Tycho 2, extrapolando a marca de 2,5 milhões de estrelas catalogadas.
2,5 milhões de estrelas parece muito? E é! Mas o lançamentoo em 2013, também pela ESA, de um novo satélite astrométrico, o Gaia, multiplicou por 1000 esse número, ultrapassando 1,8 bilhão de fontes catalogadas na terceira liberação de dados da missão (Gaia data Release 3).
E como eu posso saber a distância até as estrelas do Cruzeiro?
[Vamos fazer umas continhas aqui e está tudo bem se você pular essa seção, mas garantimos que o resultado é divertido e vai valer a pena se você tentar nos acompanhar aqui.]
Os catálogos Hipparcos, Tycho, Tycho 2 e Gaia são públicos. Isso significa que qualquer pessoa pode ter acesso a todos os parâmetros de astrometria e fotometria medidos pelos satélites. É possível acessá-los usando ferramentas especializadas em operações com dados astronômicos como o TOPCAT ou através de recursos disponíveis em ferramentas de visualização de imagens e dados como o SAO Image DS9. O acesso também pode ser feito através de bibliotecas em Python ou diretamente em bases de dados como o SIMBAD.
E se você quer descobrir as distâncias até as 5 estrelas mais brilhantes do Cruzeiro (ou a qualquer estrela catalogada) é só consultar a paralaxe dessas estrelas na pesquisa básica do SIMBAD. Conhecendo a paralaxe a relação é direta:
distância (em parsecs) = 1000 * (1 / paralaxe (em milissegundos de arco)).
A multiplicação por 1000 é necessária por que a paralaxe é dada nos catálogos em “milissegundo de arco”. Se você quiser a distância em anos luz, a conversão também é imediata:
distância (em anos-luz) = 3,26 * distância (em parsecs).
Agora que você já sabe o que fazer com os dados, pode colocar a mão na massa.
Acesse a busca básica do SIMBAD (figura abaixo) e pesquise as cinco estrelas mais brilhantes da constelação do Cruzeiro do Sul: “alf cru”, “bet cru”, “gam cru”, “del cru” e “eps cru”.
Tela de pesquisa básica do SIMBAD: http://simbad.cds.unistra.fr/simbad/sim-fbasic. Insira o nome do objeto a ser pesquisado (no caso, “alfa crux”, “alf cru” ou “alp cru” correspondem a mesma estrela, a alfa do Cruzeiro do Sul).
Na janela de resultados, use o valor no campo “Parallaxes (mas)” para calcular as distâncias pelas relações que apresentamos acima. Se tudo der certo, você vai encontrar os mesmos valores apresentados na próxima seção.
Tela de resultados da busca básica do SIMBAD. Use o valor da paralaxe no campo indicado pela seta para computar a distância até a estrela consultada.
O Cruzeiro do Sul em três dimensões.
Consultando bases públicas de dados astronômicos como o SIMBAD, podemos encontrar as distâncias para qualquer estrela catalogada. E para alguns grupos de estrelas os resultados podem ser surpreendentes. Por exemplo, você imaginava que Rubídea (gama Crux) apesar de ser apenas a terceira estrela mais brilhante na constelação do cruzeiro é a que está mais próxima de nós, a apenas 88 anos-luz? Na verdade ela está mais próxima do Sol do que de qualquer uma das outras estrelas que formam a Cruz, já que a estrela seguinte, epsilon Crux, a Intrometida, está a quase 230 anos-luz de nós.
Estrela
Paralaxe (milissegundos de arco)
Distância (anos-luz)
alp Crux (Acrux)
10.13
322.01
beta Crux (Mimosa)
11.71
278.57
gama Crux (Rubídea)
36.83
88.57
delta Crux (Pálida)
7.1681
455.07
epsilon Crux (Intrometida)
14.1999
229.72
Dados de paralaxe e distância das estrelas mais brilhantes do Cruzeiro do Sul. Distâncias calculadas a partir dos dados de paralaxe acessados via SIMBAD.
Combinando os dados astrométricos do catálogo em uma visualização tridimensional, podemos evidenciar as diferenças de distância entre as estrelas que formam o asterismo da cruz na constelação.
Precisamos concordar que foi uma jornada e tanto! Há 200 anos era instrumentalmente impossível determinar a distância até as estrelas. Hoje, temos telescópios espaciais com capacidade de mapear bilhões de fontes em nossa galáxia ou até em galáxias vizinhas. E o melhor de tudo isso: todos esses dados estão a um clique de distância de você.
Para Pensar um Pouco.
Usando o método que apresentamos no texto, determine a distância até alfa Centauri.
Alfa Centauri é na verdade um sistema triplo e você pode pesquisar cada uma de suas componentes individualmente: “alf Cen A”, “alf Cen B” e “alf Cen C”. Pesquise no SIMBAD e identifique qual das componentes está mais próxima de nós.
O SIMBAD informa também o brilho das estrelas. Observa no campo “Fluxes” a linha iniciada por “V”. Essa é a magnitude visual do objeto. Quanto maior a magnitude, menor o brilho. Essa escala é também uma herança de Hiparco e Ptolomeu, que apresentaram as estrelas divididas em seis grandezas, ou magnitudes. As estrelas de primeira grandeza eram as mais brilhantes e as de sexta grandeza as menos brilhantes visíveis a olho nu. O sistema moderno de magnitudes é uma adaptação dessa escala. A diferença de 1 magnitude significa uma diferença de fluxo (brilho) de 2,5 vezes. Assim, uma estrela de magnitude 0 é 2,5 vezes mais brilhante que uma estrela com magnitude 1. Uma diferença de 5 magnitudes significa uma diferença de 100 vezes no fluxo (brilho). O limite de magnitude para a observação a olho nu é 6. Consulte a magnitude da estrela mais próxima do sistema alfa Cen no SIMBAD. Ela é visível a olho nu?
Ao abrir o notebook, crie uma nova cópia do arquivo para que seja possível editá-la (figura abaixo). Não é necessário instalar nenhum componente localmente e toda a execução ocorre nos servidores da plataforma Google Colab. O código é bem comentado e você não precisa entender de programação para usar o script. Não requer prática nem tampouco habilidade. Qualquer criança brinca e se diverte.
Após criar uma cópia, o código será inteiramente editável e você poderá experimentar utilizar outras estrelas para consulta ou mudar os parâmetros usados na construção da animação. Para executar o script, clique no ícone indicado pela seta (imagem abaixo) em cada bloco de código.
Os resultados são exibidos na mesma janela do código e cada bloco e executado em segundos.
O Sol observado no ultravioleta extremo, no canal de 193 Angstroms do instrumento AIA do telescópio SDO entre os dias 8 e 10 de dezembro de 2023. [NASA/SDO/AIA].
Dizer que um “buraco” surgiu no Sol, como vimos em muitos posts, ou mesmo chamar de “cratera” como vimos em uma matéria do jornal o Globo reproduzida no G1 pode gerar um pouco de confusão em quem lê (Ganhando o selo “Céu Profundo – Não é bem Assim!”).
Não é bem assim!
O Sol não tem uma superfície sólida como a Terra ou Lua. E portanto não se formam crateras no Sol. O que costumamos considerar como sua superfície é a camada que chamamos de ‘fotosfera’. A fotosfera é relativamente fria (menos de 6000 graus C) se a compararmos com seu núcleo, que atinge 15 milhões de graus. Não tivemos nenhum buraco na fotosfera do Sol. O que vimos nas imagens foi uma falha nas camadas exteriores do Sol, a Coroa (ou Corona), que é uma região pouco densa mas muito quente (excedendo 1 milhão de graus) e que se eleva bem acima da fotosfera.
Não é bem assim: O Globo publicou uma boa matéria sobre o buraco coronal, mas usar o termo “cratera’ no título causa confusão (ninguém chama o buraco na camada de ozônio da Terra de cratera!). [imagem: reprodução/O Globo/NASA/SDO/AIA]
Nas últimas imagens capturadas pelo observatório espacial SDO, da NASA, a coroa aparece mais calma, mas é possível ver buracos coronais nas imagens em 193Å (esse é o comprimento de onda da luz registrada na imagem e fica na faixa do ultravioleta extremo) e muitas manchas na fotosfera nas imagens do instrumento HMI.
As câmeras do SDO registram imagens em preto e branco, mas para cada filtro utilizado as imagens recebem cores distintas.
Manchas solares. Regiões mais frias na fotosfera do Sol entre os dias 8 e 10 de dezembro de 2023. [NASA/SDO/HMI]
O SDO é um dos telescópios que monitora constantemente o Sol e nos ajuda a prever a chegada de partículas carregadas eletricamente ocasionalmente ejetadas pelo Sol em nossa direção. Essas partículas interagem com a atmosfera e com o campo magnético terrestre, podendo provocar interferência nas comunicações, no funcionamento de satélites e até em redes de transmissão de energia, sobretudo em altas latitudes, mais próximas dos polos magnéticos da Terra. Mas não são motivo para preocupação generalizada.
O Sol, visto no canal de 171Å do instrumento AIA do telescópio SDO. [NASA/SDO/AIA]O Sol, visto no canal de 304Å do instrumento AIA do telescópio SDO.
Dezembro dá as boas vindas ao verão! É a estação dominada por Órion, com seu cintilante cinturão! O cinturão de Órion – também conhecido como as Três Marias – são um asterismo facilmente reconhecível nas noites de dezembro. Visível de todo o Brasil, a constelação abriga um dos mais brilhantes objetos de céu profundo: M42, a Grande Nebulosa de Órion! É tempo de tentar identificá-la a olho nu e de apontar os telescópios para essa vasta região de formação estelar! Um efervescente berçário de estrelas ao alcance de qualquer pequeno telescópio.
A constelação de Órion reina no céu de verão. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]Uma visão levemente desfocada da constelação de Órion realça as cores das estrelas mais brilhantes da constelação e da magnífica nebulosa M42.
Órion é também uma constelação rica em cores! Na imagem acima, levemente desfocada, toda a gama de matizes da constelação fica evidenciada! As estrelas Alnitak, Alnilam e Mintaka, que formam o cinturão de Órion (as Três Marias) são azuladas. Betelgeuse exibe um laranja intenso. Rigel tem um brilho intenso mas pálido. E a nebulosa de Órion resplandece com o vermelho do hidrogênio muito quente que predomina em sua composição.
A norte de Órion outras joias brilham na constelação do Touro! O aglomerado aberto M45 – As Plêiades – também é um objeto famoso com diversos nomes populares: sete irmãs, “sete estrelo”, crucifixo. Na imagem abaixo as Plêiades aparecem em excelente companhia: em conjunção com Vênus em 23 de abril de 2023.
Vênus em conjunção com as Plêiades em 23 de abril de 2023.
Sistema Solar.
Vocês devem imaginar o quanto é trabalhoso compilar os eventos astronômicos do mês para criar uma publicação como esta. Fases da Lua, conjunções entre a Lua e estrelas e planetas, atividade de chuvas de meteoros e outros eventos. E some a isso a escassez de mão de obra aqui no Céu Profundo: todo o trabalho é feito de forma voluntária e não remunerada. É esse tipo de situação que motiva alguém a gastar alguma energia buscando formas de automatizar e simplificar tarefas. Foi assim que decidimos fazer um hiato nas publicações das efemérides mensais até que tivéssemos um script em linguagem Python capaz de gerar a maior parte desses dados de maneira automática. E aqui estamos nós! Publicando nosso primeiro post mensal com efemérides geradas utilizando a biblioteca AstroPy.
Além dos dados fornecidos automaticamente pelo script, acrescentamos a configuração dos satélites de Júpiter para todo o mês e o aspecto dos anéis de Saturno, obtidos usando as ferramentas do Planetary Data System e o picos das chuvas de meteoro ativas listadas no calendário da International Meteor Organization (IMO).
Calendário Astronômico - Dezembro/2023
Horários BRT (UTC-3)
2023-12-04 11:00:00 - Mercúrio em máxima elongação: 23.00º leste.
2023-12-04 15:41:00 - Lua no Apogeu (404306.55 km).
2023-12-05 02:50:00 - Lua Minguante.
2023-12-09 11:00:00 - Lua a 3.3º de Vênus.
2023-12-12 07:00:00 - Lua a 3.5º de Marte.
2023-12-12 21:07:00 - Lua Nova.
2023-12-13 a 14 - Pico de atividade da chuva de meteoros Geminídeos.
2023-12-14 02:00:00 - Lua a 4.4º de Mercúrio.
2023-12-16 15:46:00 - Lua no Perigeu (367929.81 km).
2023-12-17 21:00:00 - Lua a 2.3º de Saturno.
2023-12-19 15:40:00 - Lua Crescente.
2023-12-22 08:13:00 - Solstício de Verão (Hemisfério Sul).
2023-12-22 10:00:00 - Lua a 2.4º de Júpiter.
2023-12-22 13:00:00 - Mercúrio em conjunção inferior.
2023-12-26 21:13:00 - Lua Cheia.
2024-01-03 00:39:00 - Terra no Periélio (147100624.62 km).
2024-01-12 12:00:00 - Mercúrio em máxima elongação: 25.34º oeste.
Os Planetas – Dezembro/2023
Vênus segue visível nas madrugadas e Mercúrio após uma máxima elongação a leste em 4 de dezembro mergulha em direção ao Sol e emerge a oeste, atingindo máxima elongação em 12 de janeiro. Saturno e Júpiter são visíveis durante todo o mês. A imagem abaixo mostra o deslocamento aparente do Sol e dos planetas no céu durante o mês de dezembro (clique na imagem para ampliar).
Movimento aparente dos planetas no céu em dezembro de 2023.
A linha tracejada azul representa a Eclíptica. A trajetória de cada planeta é indicada por uma linha contínua. A seta indica a direção do movimento dos planetas e está posicionada nas coordenadas do planeta na noite de 31/dez. Gráfico gerado utilizando as bibliotecas Matplotlib e Astropy. [Wandeclayt M./Ceu Profundo]
Satélites de Júpiter
Use o diagrama abaixo para identificar ao telescópio os satélites galileanos de Júpiter.
Anéis de Saturno
O script ainda precisa de muitos ajustes e otimizações, mas já realiza suas funções básicas de maneira satisfatória e estamos felizes em compartilhar seus primeiros resultados! Se a curiosidade bateu e você quer dar uma conferida em nossa programação orientada a gambiarras, o notebook python pode ser acessado no Google Colab.
Cometa C/2023 P1 (Nishimura) imageado pelo instrumento Heliospheric Imager do observatório STEREO A no dia 23/09/2023.
O cometa Nishimura poderia ter dado um espetáculo nas últimas semanas, se não fosse sua posição desagradavelmente desfavorável para a observação no céu após sua passagem pelo periélio. Desde então sua elongação – ângulo de separção entre o cometa e o Sol – não excedeu os 14°. Isso significa que, mesmo o observador mais bem posicionado na superfície, vai ter o cometa a menos de 15° sobre o horizonte no momento do pôr do Sol e no crepúsculo astronômico (quando o Sol está entre 12° e 18° abaixo do horizonte) já não vai ser possível observar o Nishimura.
Mas não é fácil nos fazer desistir! Se não conseguimos observá-lo da superfície, vamos vasculhar os dados de um dos observatórios solares orbitais da NASA para encontrar o arredio cometa.
Cometa C/2023 P1 (Nishimura) – Animação com dados do observatório espacial STEREO A
A missãoSTEREO (Solar TErrestrial RElations Observatory) usa duas espaçonaves, uma à frente da Terra em sua órbita e outra atrás, para realizar observações estereoscópicas para o estudo do Sol e de suas Ejeções Coronais de Massa. Os dados de observações das STEREO, assim como os de todas as missões financiadas pela NASA, são acessíveis ao público a partir de bases de dados gratuitas e abertas.
Buscando as imagens recentes através do portal STEREO Science Center encontramos o cometa Nishimura no campo do instrumento Heliospheric Imager da STEREO A. Montando uma animação com as imagens recuperadas, podemos ver o cometa cruzando o campo, com direito a uma conjunção com o planeta Marte (é apenas um efeito de perspectiva, já que na verdade Marte está muito mais distante que o cometa).
Utilizamos dados até o dia 26/09, mas você pode seguir buscando dados mais atuais da STEREO para continuar de olho no tímido Nishimura enquanto não conseguimos imagens com nossos telescópios em Terra.
O Maior Observatório Astronômico em solo brasileiro forma cientistas e provê dados observacionais há mais de quatro décadas e se prepara para receber novos telescópios.
O conjunto de cúpulas desenha a silhueta do Observatório do Pico dos Dias (OPD) sobre a Serra Mantiqueira, em Brazópolis – MG. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]
O Observatório do Pico dos Dias é o maior e mais importante observatório astronômico em solo brasileiro. Do alto da Serra da Mantiqueira, a 1864 m de altitude, no município de Brazópolis, no sul de Minas Gerais, o Observatório tem servido à astronomia brasileira desde 1980, quando o telescópio Perkin-Elmer de 1,60 m de diâmetro – o maior em solo brasileiro – viu sua primeira luz.
Visão panorâmica do Pico dos Dias, mostrando parte dos 360 ha de área preservada que cercam as instalações científicas e de apoio administrativo do Observatório [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo].
Abrigado sob uma cúpula de 15m de diâmetro, o Perkin-Elmer se ergue como uma colossal sentinela no Pico dos Dias. Seu domo reluzente pode ser visto a dezenas de quilômetros de distância, desenhando junto com as demais cúpulas do OPD a silhueta da imponente montanha.
Nossa Galáxia, a Via-Láctea, parece mergulhar na cúpula do grande telescópio Perkin-Elmer de 1,60m de diâmetro do Observatório do Pico dos Dias. [imagem: Wandeclayt M./@ceuprofundo]
O OPD é também o lar de dois outros importantes instrumentos para a pesquisa e a formação de pessoal em astronomia: os telescópios de 0,60 m Zeiss e Boller-Chivens compõem a tríade de instrumentos principais do OPD.
Os atuais telescópios no topo do Pico dos Dias logo terão companhia, numa expansão que incluirá um telescópio de 0,80 m, já recebido na sede do Laboratório Nacional de Astrofísica em Itajubá (MG) e um telescópio de 0,50 m dedicado à observação solar, já em testes Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em São José dos Campos (SP).
Camera SPARC4 instalada no telescópio Perkin-Elmer de 1,60m no OPD.
Mas não é apenas a instalação de novos telescópios que mantém o OPD em condições de seguir relevante na astrofísica observacional. Os veteranos telescópios no sítio recebem novos instrumentos e atualizações em seus sistemas desde sua instalação. O mais recente desses novos apetrechos é a câmera SPARC4, desenvolvida pelo INPE e pelo LNA para instalação no telescópio Perkin-Elmer. A SPARC4 incorpora 4 sensores que observam simultaneamente em quatro bandas distintas sem a necessidade de troca de filtros, uma característica valiosa e incomum em imageadores astronômicos.
Com exceção do Zeiss de 0,60m, os demais telescópios do OPD, inclusive os futuros telescópios, possuem sistemas de controle que podem ser operados remotamente, permitindo a observação sem o deslocamento dos pesquisadores até o observatório.
O Laboratório Nacional de Astrofísica.
Toda a estrutura observacional da astronomia brasileira é gerida pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), uma unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Isso inclui não apenas o OPD, mas também os grandes telescópios instalados no Chile e no Havaí nos quais o Brasil tem participação.
Grandes telescópios como o SOAR (4 m) e o Gemini Sul (8 m) no Chile e o Gemini Norte (8 m) no Havaí são disponibilizados à comunidade de pesquisa brasileira através de um processo público de submissão de propostas e seleção por mérito.
E você já conhecia o OPD? Gostaria de saber mais sobre esse grande recurso da astronomia brasileira? Então você vai gostar de saber que o Projeto Céu Profundo, em parceria com a pós-graduação em Astronomia e Física Espacial da UNIVAP, está produzindo um documentário com imagens estonteantes de nosso amado observatório de montanha! Fique de olho em nossos publicações para saber onde assistir!
Descoberto em agosto pelo astrônomo Hideo Nishimura, o cometa C/2023 P1 é o cometa mais brilhante a cruzar o céu até este ponto de 2023. Infelizmente isso não quer dizer que será fácil visualizá-lo a olho nu. Após o periélio em 14/09, o cometa permanece a menos de 15º do Sol pelas próximas semanas, muito baixo sobre o horizonte e ofuscado pelo crepúsculo. É uma observação desafiadora.
De qualquer forma, é preciso saber exatamente onde procurar o cometa dia após dia, já que com a proximidade do periélio sua posição varia rapidamente. A ferramenta mais prática e versátil para rastrear esse movimento é o planetário virtual Stellarium (disponível em https://stellarium.org/), um software livre e gratuito que permite a simulação do céu para qualquer posição da superfície terrestre (ou mesmo da superfície de outros planetas) na data e horário solicitados.
Neste guia, mostramos um passo a passo de como adicionar o cometa C/2023 P1 (Nishimura) à base de dados de objetos do Stellarium, facilitando sua vida na hora de buscar no céu esse discreto viajante interplanetário.
1. Configurações
Acesse a janela de configuração no menu lateral ou através da tecla [F2] do Stellarium.
2. Plugins/Complementos
Através da aba Plugins (1), acesse o Editor do Sistema Solar (2) e clique em “Configurar”(3).
3. Importar Elementos Orbitais
Na aba Solar System (Sistema Solar), clique em “Import orbital elements in MPC Format…”
4. Pesquisa online.
Na aba “Online search” pesquise pelo “C/2023 P1”
5. Adicionando objetos.
Selecione as opções indicadas pelas duas setas no alto. Em seguida clique no botão “Add objects” (seta inferior).
6. Pesquisando na base de dados atualizada.
Acesse a Janela de Busca pela barra lateral ou pela tecla (F3).Pesquise o C/2023 P1 (Nishimura).Pronto! Se tudo correu bem, o cometa C/2023 P1 (Nishimura) será exibido no seu céu! Ou pelo menos no céu simulado do Stellarium.
O avistamento de um objeto flamejante, de brilho verde e se desfazendo no céu na noite da segunda-feira (19/06) disparou uma série de relatos em redes sociais e de chamados pedindo nossa confirmação da natureza do evento.
Com um grande número de relatos na região sudeste de Minas Gerais e em grande parte da região de Campinas e do Vale do Paraíba (SP) seguimos rapidamente para inspecionar as imagens das câmeras da rede de monitoramento de meteoros EXOSS no Observatório da UNIVAP.
Em busca de Imagens!
Mobilizamos o astrônomo Irapuan Oliveira, professor e coordenador do Observatório da Univap, e iniciamos a busca nos arquivos de imagem da noite, mas infelizmente nossas câmeras não estavam apontadas na direção do evento. A boa notícia é que pela trajetória estimada pela rede EXOSS a partir dos relatos e imagens em redes sociais lembramos de uma câmera que certamente teria capturado o evento em sua totalidade: a câmera de monitoramento de céu do Observatório do Pico dos Dias (OPD).
O OPD é o maior observatório astronômico em solo brasileiro e é dotado de câmeras que registram integralmente o céu a partir de sua localização privilegiada, 1865m acima do nível do mar, nas montanhas de Brazópolis (MG). Com a ajuda do coordenador do OPD, o Astrônomo Saulo Gargaglioni, recuperamos a imagem capturada no observatório, que registrou integralmente a passagem do objeto por volta das 18:36. A imagem foi importante, porque a câmera possui uma posição conhecida e, além disso, podemos identificar as estrelas no céu, determinando com precisão a orientação da imagem (tente encontrar o Cruzeiro do Sul!).
Câmera All-Sky do Observatório do Pico dos Dias (OPD) [https://www.gov.br/lna/pt-br]
Um Objeto Voador (por pouco tempo) Não Identificado.
As imagens e a descrição do comportamento do objeto levavam a crer que se tratava de lixo espacial. Um objeto lento, se fragmentando na atmosfera e que com certeza se desintegrou antes de atingir o solo. Mas não encontramos nenhum objeto espacial com reentrada prevista no período que pudesse estar passando pela região naquele período.
Sem um suspeito na lista, relutantemente estávamos considerando a hipótese de que pudesse ser apenas um meteoro.
Uma Ajuda de Peso!
Mas entrou em cena uma equipe de peso: um time de especialistas em dinâmica orbital da empresa SAIPHER, em São José dos Campos, iniciou uma série de simulações via software que pudessem se ajustar à trajetória estimada pela rede EXOSS e o suspeito foi identificado!
Simulação de Trajetória do CZ-2C R/B (52323) [Ricardo freire/SAIPHER]
Apresentando o Culpado!
As simulações conduzidas por Ricardo Freire, da SAIPHER, apontaram que o segundo estágio de um foguete Longa Marcha 2C, lançado em 29 de Abril de 2022, no centro de lançamento de Jiuquan, na China, poderia ter reentrado um dia antes do previsto. O objeto também identificado como CZ-2C R/B (NORAD ID: 52323) tinha reentrada prevista para a madrugada do dia 20/06, mas as análises realizadas pela SAIPHER indicam a possibilidade de um decaimento mais acentuado que o previsto, resultando numa reentrada precoce sobre os céus de Minas Gerais e São Paulo na noite do dia 19/06.
A precisa análise conduzida pela SAIPHER permitiu estimar com exatidão as condições nas quais a reentrada ocorreu, ajustando-a aos dados obtidos a partir da rede EXOSS. Simulações como esta serão cada vez mais necessárias, num cenário em que a quantidade de objetos em órbita baixa cresce exponencialmente e com uma expectativa de grande aumento na frequência de eventos de reentrada.
Superpopulação Orbital.
A população de satélites em órbita baixa passa por uma fase de crescimento acelerado desde a última década, trazendo desafios para a operação segura destes objetos e acendendo o alerta para o consequente aumento do lixo espacial representado por componentes de foguetes e satélites que encerraram sua vida útil. O risco de colisão nessa faixa congestionada do espaço em volta da Terra é real e crescente e é apresentando como um dos grandes riscos para a próxima década no relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial de 2022.
Número de Objetos em Órbita da Terra (1960 a 2020) – Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial 2022.
Empresas como a SAIPHER trabalham para prever reentradas e eventos de provável colisão, aumentando a consciência situacional de operadores de objetos espaciais. Um serviço que, em uma sociedade inteiramente dependente de serviços fornecidos via satélite, será vital nos próximos anos.
Imagem da Dark Energy Camera (DECAM), a mais poderosa câmera astronômica já construída, contaminada por rastros dos sateelites Starlink. [NOIRLAB]
Além do risco das colisões, um outro problema assombra a Astronomia: mega constelações de satélites como os Starlink, da empresa SpaceX, são uma fonte de poluição luminosa que contaminam as imagens científicas produzidas nos grandes observatórios, muitas vezes inviabilizando a coleta de dados importantes para a pesquisa.
São reflexos de um crescimente descontrolado e de uma indústria pouco regulada que aos poucos tem mudado, nem sempre para a melhor, a nossa visão do espaço.
palavras-chave: foguetes, mobfog, física, ensino, astronáutica, oba.
Garrafas PET, água, ar comprimido e paixão pelo espaço! São esses os ingredientes para construção e lançamento dos foguetes do nível 3 da MOBFOG – A Mostra Brasileira de Foguetes, uma competição estudantil irmã da célebre OBA – Olimpíada Brasileira de Astronomia.
Estudantes do 6° ao 9° ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas de todo o Brasil participam do nível 3 da MOBFOG, competem pelas medalhas que premiam os foguetes com maior alcance. Mas muito mais valiosos que a premiação são o espírito de colaboração e a oportunidade prática de aprendizado de conceitos de física, matemática e tecnologia aeroespacial proporcionados pela empolgante atividade.
Foguete nível 3 da MOBFOG 2023 de alunas do clube Meninas na Ciência, montado na plataforma de lançamento no campo do INPE em São José dos Campos para uma bateria de ensaios de avaliação. Após a análise dos voos, modificações foram realizadas para otimizar o desempenho dos foguetes!
Em São José dos Campos (SP) , um polo de pesquisa e desenvolvimento na área aeroespacial, os professores e estudantes de escolas públicas municipais ganharam o reforço de pesquisadores e técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE/DCTA) no planejamento e análise do voo dos foguetes.
Para visualizar a dinâmica de voo dos velozes foguetes, o Laboratório de Registro de Imagens do IAE registrou os lançamentos em vídeo de alta velocidade, a 1000 quadros por segundo, permitindo analisar em detalhes a fase inicial do voo e identificar falhas de construção que prejudicam o desempenho dos foguetes.
E o que podemos aprender com os foguetes da MOBFOG?
Captura de tela do software Tracker com o lançamento de um foguete nível 3 da MOBFOG. Os gráficos à direita são do deslocamento e da velocidade do foguete em função do tempo. [créditos LRIM/IAE]
Analisando os vídeos com o software de rastreio TRACKER (um programa aberto e gratuito!), podemos acompanhar o deslocamento do foguete quadro a quadro. Plotando em um gráfico o deslocamento em função do tempo temos uma representação visual de cada fase do voo, identificando a evolução da velocidade do foguete. O Tracker está disponível para download para os os sistemas operacionais Linux, Mac OS X e Windows ou pode ser executado online em sua versão em JavaScript.
Assim que o foguete é liberado e inicia seu movimento, vemos um aumento constante da velocidade. Em seguida, o foguete deixa a base e a velocidade passa a variar com uma taxa mais elevada, mas aproximadamente constante, até que toda a água em seu interior é liberada. A partir daí o foguete segue uma trajetória balística, sujeita apenas a ação da gravidade e da resistência do ar.
A geometria do foguete tem um papel importante em seu desempenho. A posição e o formato das empenas e a posição do centro de gravidade podem torná-lo mais ou menos instável e interferir no alcance máximo. A contribuição desses fatores fica evidente na análise de vídeo.
Mas a maior surpresa pode vir dos valores de velocidade máxima e aceleração que os pequenos foguetes de garrafas PET podem atingir. Acelerações de 100g e velocidades acima de 60m/s foram registradas! Isso reforça a necessidade da estrita observação das normas de segurança: uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), sinalização e isolamento da área de lançamento!
E se tudo for feito com segurança, os lançamentos são um excelente recurso prático para o aprendizado de conceitos físicos como velocidade, aceleração, empuxo, pressão, momento e para a interpretação de gráficos.